quinta-feira, 19 de julho de 2012
PARA QUE SERVE A MODERNIDADE?
1-3 - habermas-1-ls- terça-feira, 24 de Dezembro de 2002-scan
DESPERDÍCIOS FILOSÓFICOS: PARA QUE SERVE A MODERNIDADE?(*)
(*) Este texto de Afonso Cautela, 5 estrelas e meia, foi publicado, com grande escândalo do próprio, em «Livros na Mão», «A Capital», 26-3-1991
[ 26-3-1991, in «A Capital»] - Um pouco mais de azul e o «Discurso Filosófico da Modernidade, de Jurgen Habermas (1), seria asa. Se explicar fosse, para ele, como era, por exemplo, para os filósofos taoístas, simplificar em vez de complicar, quem sabe se não íamos todos para a cama mais cedo e com a digestão mais bem feita Se a modernidade não melhora sequer o metabolismo, para que serve a modernidade?
Um pouco menos de complicação técnica e o ensaio que Habermas dedica a Georges Bataille, nomeadamente ao livro deste, A Parte Maldita, verdadeiro manifesto contra a cultura ocidental e seu fraco poder de encaixe, constituiria o abrir de uma porta possível no muro de Berlim que ele teima em designar por modernidade. Se modernidade é (fosse) alcançar o essencial em detrimento do acessório, então Habermas estaria próximo de uma definição ideal quando analisa Bataille, no capítulo desta obra intitulado «Entre Erotismo e Economia Geral».
Economia., com efeito, era a palavra que continuava a faltar em todos os discursos sobre a modernidade: segundo o filósofo de Frankfurt, a explicação antropológica que Bataille faz do «heterogéneo enquanto parte maldita» rompe com «todas as figuras dialécticas do pensamento», o que, segundo ele, suscitaria uma questão: saber como é que Bataille pretende explicar a passagem revolucionária de uma sociedade enregelada e completamente reificada para uma renovação da soberania.»
Segundo escreve, logo a seguir, «o projecto de uma economia geral alargada até à economia energética da natureza no seu conjunto, pode ser entendido como uma resposta a esta questão. Resposta que - digo eu - vinha a ser largamente dada por todas as correntes posteriores ao surrealismo e ao existencialismo, correntes que, da antropologia estrutural à análise energética, colocaram no centro da questão a dialéctica homem/natureza, ou, em termos tradicionais, microcosmo/macrocosmo.
Mas então porque gasta ele tempo, energias, páginas e poder, na procura de uma modernidade que já só existe em casas de passe e antiquários?
A REBOQUE DO PODER ECONÓMICO
Não há dúvida de que o actual poder filosófico, a reboque do poder científico (totalmente a reboque do poder económico), é a pura imagem do desperdício energético. Um panorama desolador de lixo e luxo.
Os vários nomes que o «poder» foi tomando nos filósofos da modernidade ilustram, de maneira exuberante, esse panorama, tal como vão surgindo nestas páginas de densa complexidade e análise exaustiva sobre Benjamin, Hegel, Schiller, Horkheimer, Adorno, Heidegger, Derrida, Bataille, Foucault, Castoriadis, Luhmann e – claro! – Nietzsche, o homem fatal, que ao poder chamou vontade, enquanto Bataille lhe chamava «erotismo».
Na sua desarmante simplicidade, os taoístas chineses chamam-lhe ki» (a menor palavra para o máximo de significação) e passam adiante porque têm mais que fazer. O seu sistema explicativo sobre o funcionamento do universo está completo e perfeito desde há, pelo menos, sete mil anos, modernidade esta que não é para desprezar, no nosso tempo de countdown e contra-relógios.
Entretanto, filósofos da modernidade, como Hitler e Mussolini, ao poder chamaram um figo, pelo que houve historiadores, maldosos, a designá-los de totalitários, fascistas, tiranos de bigode, saddans, etc . Nunca a modernidade vê estes telefolhetins chegar ao fim, vindo sempre outro em continuação do anterior. A ver se gastam o stock de Patriots.
Nos intervalos de explicar complicando, Habermas distrai-se das «ontologias estruturais», recai no real mesmo heterogéneo e volta à via correcta, ou seja, economiza tempo, não só porque tempo é dinheiro (como diz a tradição judaico-cristã, sempre muito atenta aos valores do espírito) mas porque é também energia e a consciência energética tudo unifica sem alterar um ápice o multiforme pluralismo do real. Só que não vale a pena andar à descoberta deste ovo de Colombo, porque ele já está descoberto há, pelo menos, sete mil anos bem contados, incluindo os 2000 d.C.
Se Hitler, que tanto preocupa Habermas e os filósofos de Frankfurt em geral, tivesse tido a intuição deste postulado básico e não tivesse invertido estrategicamente o sentido da suástica, não perderia a energia que perdeu a unificar a Alemanha sob o signo da águia imperial e a despender tanta proteína no holocausto de vidas humanas a que procedeu e onde, como se sabe, até os dentes das vítimas eram economicamente aproveitados para fazer botões e as gorduras velas de cera. Foi a Ganância que o perdeu.
Quando, como neste caso, se quer dizer que a energia foi mal canalizada, chamamos-lhe violência, outro nome possível para «poder» cego.
Primeiro grande ecologista da corrente verde do nosso século, Hitler procedeu à reciclagem sistemática na sua luta desesperada contra e entropia. Só que era vesgo, não leu os filósofos de Frankfurt e orientou no sentido mais antieconómico - no sentido da violência perdulária - essa sua noção suprema de poupança.
Em compensação, o que fazem os economistas liberais? Desperdício, só desperdício, o que torna as suas políticas económicas, além de caricatas, contraditórias. O luxo (de que Habermas fala a propósito de Bataille ) é, como o lixo, como a famosa poluição, um desses desperdícios. Mas, continuar às voltas, à volta da modernidade - o que será? Luxo, lixo, poluição ou desperdício? Ou as três coisas ao mesmo tempo?
Quando estará a ciência quietinha, a gozar dos rendimentos, no lugar (de lixo) que lhe compete e nos deixará a nós em paz? E a filosofia dos teóricos, sua dilecta companheira, quando abdicará do luxo que é?
Se na «economia energética», como Habermas repentinamente percebe, está a estrutura unificadora não só da diversidade do real mas dos contrários opostos, se está o símbolo mais avançado do progresso e a porta de saída para as crises cíclicas do petróleo, do oito em oito anos, porque é que a modernidade cheira cada vez mais a petróleo e a uma casa de antiquário?
O MAPA DOS PONTOS
Qual é mais moderno: Hitler, Heidegger, Nietzsche ou o Imperador Amarelo que sabia tudo da energia e até designava por «energias perversas» aquelas marotas que saíam da matemática rigorosamente estabelecida desde então no mapa energético dos meridianos e pontos chineses? Mapa que, relacionando macro e microcosmo, ficou inviolável e perfeito desde que os acupuncturistas, para esse e todos os efeitos, o desenharam no papel.
Onde está a modernidade? E porque insistem os filósofas da dita, como energias perversas escapadas à ordem inviolável das esferas, em perder tão preciosas energias à procura da rolha? Um pouco mais de azul a eram asa. Um pouco mais de simplicidade e tudo se explicaria. Um pouco menos de ciência e a sabedoria estaria ao alcance do grande público.
Há-de haver para este desperdício, com certeza, uma explicação económica. Ou, em alternativa, um tribunal de Nuremberga. Na sequência de nuances para a palavra energia, que já se mostrou sinónimo de petróleo, radiação solar, biogás, ondas, poder, violência, electricidade, erotismo, força criadora, élan poético, teimosia, inspiração, feroz ditadura, etc. experimentem, já agora, alargando o conceito ainda mais, pensar também como sinónimo de energia aquilo a que se chama «trabalho» e «tempo», as duas formas (armadilhas) através das quais a energia do poder cego e bruto nos rouba as energias de que precisa.
Os cronófagos são hoje legião. Ore se «tempo» e «trabalho» são também energia - e assim entendermos a alienação (segundo Karl Marx) -, o pontapé nas ditaduras passa por aí. Só não me perguntem como, porque é segredo. Tudo começa na sabedoria do que é a energia, em sentido estrito e em sentido lato, aplicando-a através das tecnologias adequadas e apropriadas para o efeito. Aí sim - nas TA (tecnologias apropriadas) - reside a modernidade mais antiga que se conhece.
Ou não estará ainda suficientemente feita a crítica às ideologias da abjecção, seja ela totalitária ou democrática - desde que os surrealistas meteram para aí o bedelho? Se está, esperemos que o exaustivo livro de Habermas seja o último a consumir as nossas energias e paciência , o último a discutir o fim do fim das ideologias. É tempo de ocupar o nosso tempo (trabalho, amor e força criadora) em coisas mais interessantes e produtivas. Chega de desperdício.
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(1) «Discurso Filosófico da Modernidade», Jurgen Habermas, nº 1 da colecção «Nova Enciclopédia», Publicações Dom Quixote
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(*) Este texto de Afonso Cautela, 5 estrelas e meia, foi publicado, com grande escândalo do próprio, em «Livros na Mão», «A Capital», 26-3-1991