terça-feira, 24 de agosto de 2010

O DIABO DE GEORGES BATAILLE




1-4- bataille-md-1-2>quinta-feira, 6 de Novembro de 2003 - merge de 3 files da série bataille>

1-2 - quinta-feira, 23 de Janeiro de 2003- bataille-1> notas de leitura - notícias do futuro - clássicos do século XXI - a voz subterrânea

GEORGES BATAILLE NAS MÃOS DAS BRUXAS (*)

[In «Notícias da Amadora», em 8/5/1971]

O semanário «Le Nouvel Observateur» chama-lhe «bibliotecário do Diabo», a propósito do 1º volume das Obras Completas.
De facto, Georges Bataille, que faleceu em 1962, tem vindo a crescer de prestígio entre os intelectuais, mesmo entre os neo-académicos que ajudaram, possível e provavelmente, a deixar no limbo do esquecimento ou da clandestinidade obras tão importantes como L’Histoire d’Oeil, viagem aos limites do impossível e transgressão das fronteiras que o corpo humano impõe a si próprio.
No erotismo encontrou Georges Bataille o princípio metafísico que, substituindo com vantagem o êxtase dos místicos, constitui a experiência interior mais profunda a que os indivíduos têm acesso e se podem consagrar.
Um princípio de participação telúrica e cósmica, uma força demoníaca ou dionisíaca que abate barreiras e ultrapassa linhas de moral. Contra os sistemas e dogmas e tabus, Georges Bataille, simultaneamente com Henry Miller e D. H Lawrence, inventa a «teoria da transgressão», que, vista hoje, à distância de 10 anos, tem um terrível ar profético.
Adentrar-se nas águas de Bataille é perder o pé e permitir-se um mínimo de conversão violenta em outra realidade mais profunda. Nietzsche anda sempre nas suas páginas e a heresia, no sentido lato e poético da palavra, nunca deixa de desafiar as ordens e leis estabelecidas.
Nas fronteiras do que se chama vida e do que se chama morte, Bataille foi dos que experienciaram a falta de sentido das antinomias quando, na verdade, o corpo serve de medianeiro e mediador, de «passaporte» às viagens de sentido contrário, sejam alucinogéneas ou não (sempre visionárias).
Aplicou-se ele a distinguir entre o Bem e o Mal, investigando aqueles escritores que, se não tiveram pacto com o Demónio, rondaram no entanto de bastante perto o inferno, os abismos e limbos do Maléfico: em La Littérature et le Mal, pouco lhe importaram as «obras em si mesmas», (trabalho de académicos que Bataille sempre desprezou), num período em que já a teoria literária se voltava para a especificação da obra e consequente menosprezo da personalidade (de profeta, visionário) de que ela é reflexo e sinal.
Estudando os escritores e não as obras, estudando não as biografias mas as existências ou experiências desses escritores (imaginar é sempre experienciar até aos limites do possível), contribuiu para enraizar a génese da criação literária num húmus existencial que remonta à mais antiga tradição alquímica e hermética, com a qual, aliás, o seu desejo de infinito tem óbvias e constantes afinidades.
Nas duas obras que se encontram traduzidas para a língua portuguesa — «A Literatura e o Mal» e «O Erotismo» — não é difícil aprender o mais importante do seu itinerário: Emily Bronte, Baudelaire, Michelet, William Blake, Sade, Proust, Kafka, Genet — nomes estudados naquele primeiro — indicam claramente para que abismos aponta Georges Bataille quando fala de literatura.
«O Erotismo», por outro lado, é um mergulhar de poeta nos domínios «privados» do antropologista e do etnólogo.
Michel Foucault preside às «obras completas» agora iniciadas, e oxalá esse patrocínio não seja sinal de que, finalmente, Bataille se encontra monopolizado e absorvido pelo doirado reino dos académicos nas suas academias-pocilgas. Talvez não falte quem estruturalize, forma universitária que a cultura oficial tem agora de aviltar os poetas e a poesia que lhe faz engulhos, por demasiado diabólica.
Será que o «bibliotecário do Diabo» vai ser arrumado na prateleira e há chances de o seu olhar perder um pouco do vitríolo inicial, enquadrando-o?
Experiência única, insubstituível, satânica, Bataille, como todo o «homem subterrâneo», como todo o investigador do imaginário, como todo o alquimista do absurdo, como todo o desocultador de mais realidade, não repete ninguém nem ninguém o repetirá. Ainda que os lugares selectos da crítica o monopolizem e assimilem, para efeitos de diploma e tese a defender nas sorbonnes.
Bataille levou mais longe do que nenhum outro, a procura e afinamento de um «método de meditação» (Suma Ateológica) que não fosse apenas uma teoria mas a sua prática simultânea.
Unamuno, com O Sentido Trágico da Vida, Kierkegaard com Temor e Tremor e Diário de um Sedutor, Joe Bousquet em Le Meneur de Lune e La Neige d’un Autre Age, Chestov em As Revelações da Morte, Cioran em Précis de Décomposition, Rilke em Os Cadernos de Malte Brigge, não levaram tão longe a experiência e descoberta desse método de «descida aos infernos» sem escafandro que é o de Bataille em Somme Athéologique, cujo primeiro tomo se intitula L’Expérience Intérieure seguido de Méthode de Méditation.

Post Scriptum : «OS GALILEOS (d) AQUI»: UM ESCLARECIMENTO POR CAUSA DAS GRALHAS
Não vou, evidentemente, citar todas as omissões e gralhas sofridas pelo meu artigo «Os Galileos (d) Aqui», publicado no «Notícias da Amadora» (1-5-1971), omissões e gralhas que bastante comprometeram aquela claridade expositiva que me esforço sempre por conseguir.
Caso haja algum leitor com paciência para me seguir, é para mim questão de cortesia para com esse leitor, fazer-me entender, falar claro e pensar direito.
Na impossibilidade de emendar, linha a linha, o que apareceu torto, quero apenas rectificar um nome próprio que pode induzir em pânico os leitores mais (des) atentos.
Ao citar os autores de algumas teorias que hoje são «malditas» mas que amanhã podem ser reconhecidas por todos e por todos abençoadas, apareceu o seguinte:
«Josué de Castro e Indíveri Collucci (naturoterapeutas) e sua teoria trofoterápica.»
Uma gralha fez aparecer Josué de Castro onde devia estar José Castro, naturoterapeuta espanhol e autor de uma corrente neo-vegetarianista muito difundida em Portugal e que nada tem a ver com o famoso autor de «Geografia da Fome», o brasileiro e homem universal de todos tão conhecido como é Josué de Castro.- AC
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(*) Este texto de Afonso Cautela foi publicado no semanário «Notícias da Amadora», em 8/5/1971

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bataille-1> sublinhados - 356 caracteres - solta do jornal ou secção «para reflectir» do suplemento largo


A LITERATURA E O MAL NO PENSAMENTO DE GEORGES BATAILLE


Algo há em nós de apaixonado, de generoso e de sagrado, que excede as representações da inteligência: este excesso é que faz de nós seres humanos.
George Bataille

A verdade não se entrega a quem não a busca até ao delírio.
George Bataille

Veneramos, no excesso erótico, a lei que violamos.
George Bataille■
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O DIABO

[Frases colhidas, creio, quando andava envolvido com «la parte maudite» de Georges Bataille, vista através do seu deslumbrante manifesto «A Literatura e o Mal»]

«Por muito medo que se lhe tenha, temos de reconhecer que sem ele (Diabo), morreríamos de monotonia».

«Deus não pode estar em tudo e muito menos sempre a trabalhar».

«Os mais felizes ou menos desditosos são os que morrem. O horror é a vida em tormento.»