sexta-feira, 8 de abril de 2011

STANISLAV LEM: O FUNDO TOTALITÁRIO DA TECNOCRACIA




1-4 domingo, 7 de Dezembro de 2003 -lem-md-ls-gl>

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UM CRAQUE DA FICÇÃO MUNDIAL: A «GUERRA LIMPA» DE STANISLAW LEM (***)

10/7/1992 - O maior dos pequenos livros ultimamente editados entre nós, ou o mais pequeno dos maiores, poderia ser o «slogan» para celebrar o novo título aparecido na famosa colecção de capa negra, B, mantida pela Estampa há vários anos.
O polaco Stanislaw Lem apresenta-se na sua melhor forma, com esta «Biblioteca do Século XXI»(*), livro que, denso como um ovo, elimina de um trago muita literatura inútil e premiada, ao mesmo tempo que repõe a dignidade da ficção como técnica de conhecimento para lá dos limites do racional.
De repente, apenas com 156 páginas formato mini-bolso, temos consumado o processo da tenebrosa sociedade industrial, sem alibis que a defendam e justifiquem, totalmente a claro o fundo totalitário da tecnocracia, a violência intrínseca da tecnologia de ponta que, nascida da guerra e com ela aperfeiçoada, a ela retorna, para se autoreproduzir.
Ter-se servido da ficção científica para desmontar todo o abominável da sociedade industrial, é com certeza um dos motivos que fazem de Stanislaw Lem um autor de primeira fila entre os escritores de todos os tempos. Mas outros motivos há, como por exemplo a sua arte danada para condenar, de uma penada, ambos os termos do género -- «science fiction» -- em que teimam em catalogá-lo. De uma cajadada, mata ele dois coelhos: a ficção romanesca tal como a conhecemos, alfobre de intrigas (palacianas e/ou burguesas) para queimar tempo, e a ciência, na sua estrutural abjecção, mãe de todas as abjecções.
Não será este trabalho depurador de lixo o único mérito de Stanislaw Lem mas é, com certeza, um dos motivos que leva a preferi-lo por quem sabe que não tem tempo a perder com jogos de computador iguais a jogos de guerra. Stanislaw Lem enfileira entre os defensores do ambiente mais dotados e proveitosos. Ao inventariar a porcaria do nosso século -- inventário que constitui a matéria da tal «biblioteca do século XXI» a que se refere o título da obra --, ao realizar o que nenhum banco de dados teve a coragem ainda de fazer (meter a abjecção em computador), o autor realiza uma das operações mais vastas de higiene e profilaxia que já foram efectuadas. É a chamada «guerra limpa». Juntamente com o filme de Oshima «O Império dos Sentidos», mais o Pasolini de «As 120 Jornadas de Sodoma», era este o livro propedêutico que eu recomendava para prova geral de acesso às escolas. Infantes de todas as idades, incluindo políticos, devem lê-lo até à última das suas sóbrias 156 páginas, formato mini-bolso, como o breviário de todas as glórias a que aspiram. Livro pai de todos os livros, ou seja, a bíblia do apocalipse, «Biblioteca do Século XXI» põe o dedo na ferida, ao ficcionar a informação inflacionária de um mundo que tem, no bombardeamento de dados (e mensagens mediáticas) o contraponto lógico e ecológico dos bombardeamentos sobre o Iraque, para salvar a civilização ocidental, ou qualquer outro eventual alvo dos que serão sempre necessários para gastar munições.

O CONGESTIONAMENTO

Pergunta-se como consegue Stanislaw Lem, ao mesmo tempo, não nos nausear com tantos milhões de cadáveres e distanciar-nos o suficiente deles para sabermos quem os fabrica? Pelo processo clássico de todos os verdadeiros modernistas, podia ser a resposta: usando o Humor como categoria vectorial do Espírito e não levando jamais a sério nenhuma das solenes anedotas da «racionalidade» económica que nos rege. Pelo Humor, ele pulveriza também os cânones da ficção que mandam entrar a marquesa X, às cinco horas e meia, no fiacre que a conduzirá a casa de madame Y, tudo isto em, pelo menos, duas páginas de suculenta e barroca prosa. O truque manipulatório da ficção que enche não só os horários da televisão como a maior parte da torrente editorial que nos alimenta, é aqui, por omissão, tornado apenas um personagem de ficção irrisório. Aliás, com a perspectiva de escala -- a que os surrealistas, para facilitar, chamaram Humor, timbre da modernidade -- tudo faz de conta e o que conta é apenas o essencial: quer dizer, o que nunca foi nem será dito.
Lem serve-se da ficção para amortecer o choque das suas teses polémicas e chega a confessá-lo, com certa ingenuidade.
Não estamos, evidentemente, perante um autor de massas, nem sequer de elites, candidato a «best-seller», ou eventual premiado de um júri com maioria aritmética da APE. Lem é do contra, radical e definitivamente do contra, anda cá, na literatura e na vida, por acaso. Leu tudo o que a ciência deste tempo e mundo lhe deu para ler e desse cisco, desse lixo, devolve-nos o «flash» rápido que, à beira do abismo, nos permite ver em que abismo estamos à beira. O maior perigo deste perigoso iconoclasta vem do possível encorajamento que ele vai dar, que ele tem dado, a todos os autores «out-siders» que, por esse mundo, meteram as teses loucas na gaveta e desistiram de pensar, de escrever, de publicar.

UM «CRAQUE» DA FICÇÃO CIENTÍFICA

O que faz a diferença, como diz a publicidade, entre o escritor polaco e a divulgação científica corrente, ficará bem ilustrado se compararmos a forma como ele trata certos temas nestas narrativas e a forma como os mesmos são tratados (ou omitidos) em autores da moda como Carl Sagan (nas especulações de astronomia) ou Alvin Toffler (no capítulo dos computadores). O que faz a diferença é uma visão crítica por parte do escritor europeu face ao «beatismo» que transpira em todas as letras de Sagan (a vedeta) ou de Alvin Toffler, o advogado da terceira vaga.
Considerado por alguns analistas um dos maiores nomes da actual ficção científica, raramente ou nunca ele aparece em antologias e colecções portuguesas da especialidade. Com a honrosa e única excepção da «Caminho de Bolso», onde há quatro títulos(**) de Stanislaw Lem, um deles, -- número 1 da colecção, «Memórias Encontradas numa Banheira» -- dificílimo de encontrar. Os peritos em «sf» parece não engraçarem lá muito com ele e mesmo a colecção mais atenta ao fantástico de qualidade -- o «livro B», da Estampa -- só agora se lembra de Lem, ao atingir o número 53 e já depois de ter lançado alguns dos maiores nomes do fantástico, Vian, Bierce, Lovecraft, Allais, Lagerloff, Henry James, Nerval, Borges, etc. Mas não perdeu pela demora: com «A Biblioteca do Século XXI», denso que nem um ovo, podemos agora respirar a atmosfera sem ozono de Lem na melhor das companhias, planeta perfeitamente indicado num sistema solar de grandes estrelas.

A PERSPECTIVA DE ESCALA

Queiram ou não os puristas da «sf», há uma tese deliberada nas narrativas de Stanislaw Lem, que se poderia resumir assim: uma desmontagem ao modelo logarítmico do crescimento, mas uma desmontagem de tal modo global e simultaneamente pormenorizada, como se fosse feita ao telescópio de outro planeta, que se torna irrespondível por qualquer das sofísticas adrede preparadas, por onde e com as quais o sistema reinante se costuma escapar.
Levando às últimas consequências -- pelo truque da antecipação -- o absurdo da racionalidade científica, tecnológica e económica, inutiliza esse absurdo no plano teórico e, portanto, abre campo à construção inevitável de uma outra racionalidade. Se, à luz do simples bom senso ou mesmo do senso comum, é impossível ao modelo de crescimento continuar crescendo até ao infinito, basta ao escritor evidenciar as contradições que essa contradição inicial gera, para se ter um espectáculo verdadeiramente «fantástico».
Fictícia ou não, fantástica ou não, a tese de Stanislaw Lem (e seu segredo de Polichinelo) obriga-nos a alterar a óptica com que lemos os factos noticiados pelos «mass media». À luz deste seu ponto de vista -- com posto de observação em Marte -- a versão que temos e nos foi dada pelo sistema mediático mundial da última guerra do Golfo, por exemplo, é no mínimo irrisória. Quando vemos por dentro, com a ajuda de Lem, como funciona o sistema e que nada foi deixado ao acaso, o suspense vivido pelos 41 dias de guerra surge como uma descomunal montagem de teatro e nunca a expressão «palco de guerra» foi tão adequada. Tal como chegou a ser dito durante a Guerra do Golfo -- mas logo calado -- e tal como este «observador de Marte» nos adverte, o napalm caiu sobre o Iraque, enquanto o maior ênfase dos «media» era dado ao eventual ataque químico sobre Israel que, afinal, o Iraque não chegou a consumar...
O estratagema mostra-se eficaz: levando às últimas consequências a lógica interna do absurdo sistema do crescimento ilimitado e mostrando que o resultado só pode ser a sua autodestruição, o quadro de horror liofilizado (científico-cirúrgico) mostrado por Lem demonstra que a alegada racionalidade científica e tecnológica é, no médio e no longo prazo, a pura expressão do irracional. Quer dizer: do absurdo. E demonstra-o também «cirurgicamente», com anestesia, servindo-se das armas do inimigo.
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(*)«Biblioteca do Século XXI -- Novelas Fantásticas», Stanislaw Lem, Col. Livro B, Editorial Estampa
(**) «Memórias Encontradas numa Banheira», «Congresso Futurológico», «Viagens de Ijon Tichy» e «A Máscara», números 1, 31, 45 e 113 da Colecção «Caminho-Ficção Científica», Editorial Caminho
(***) Este texto de Afonso Cautela foi publicado no jornal «A Capital», secção «Livros na Mão», 11/Junho/1991
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lem-3> scan - quinta-feira, 20 de Junho de 2002

UM ESCRITOR SEM ESPERANÇA (*)
[(*) Este texto de Afonso Cautela foi publicado no semanário « Mar Alto», na rubrica Temas de Amanhã, em 19-7-1972]

No número 17 da revista Le Nouveau Planète (Julho de 1970), Jacques Bergier publica um estudo sobre a obra de Stanislaw Lem, autor polaco de ficção científica, jornalista de profissão e cujo pessimismo radical o distingue de quase todos os autores do género.
Jacques Bergier, que diz discordar das teses materialistas de Stanislaw Lem não deixa de lhe reconhecer um formidável talento de escritor e uma rara bagagem de cientista. Totalmente desconhecido em Portugal, Stanislaw Lem tem várias obras traduzidas para o francês
Retour das étoiles
L'Invasion venue d'Aldébaran ;
Edem;
L'Invincible ;
La Formule du professeur Limvatar.
Ed. Denoel : Journal das étoiles ; Le Livre des robots ; La Cybériade ; Solaris
Ed. Gallimard : Feu Vénus.
Resumindo as teses de Lem, podemos dizer que elas convergem sempre em um ponto: o universo é inexplicável e o homem vive mergulhado numa absoluta solidão cósmica, da qual não há saída nem esperança. Da qual não há futuro possível.
Ao contrário do postulado optimista que o racionalismo do século XIX divulgou até aos nossos dias, e segundo o qual o universo é cognoscível - só questão de dados adquiridos, pois mais cedo ou mais tarde o homem decifrará todos os enigmas que o cercam - Lem coloca as suas personagens perante barreiras intransponíveis. Principalmente barreiras de comunicação.
«O cérebro contém um calculador analógico podendo construir nos seus circuitos um modelo do universo que se deixa em seguida interpretar e que faz com que o universo possa sempre ser compreendido».
Este postulado, segundo Jacques Bergier, nem sempre é formulado tão nitidamente mas está sempre presente no espírito do cientista e constitui a sua razão de viver. Pensa-se que, se com a ajuda de máquinas extremamente caras, fornecermos ao cérebro humano dados suficientes sobre as partículas últimas da matéria, o cérebro humano poderá então compreender a matéria e, a partir desta matéria, tudo o resto.
Sempre, portanto, a mesma fé, a mesma convicção, a mesma crença: o cérebro é uma máquina que pode decifrar todo o universo, compreender tudo, sob a única condição de possuir dados. Precisará de computadores para compreender estes dados, relacioná-los e interpretá-los. mas a vitória final está assegurada.
Ora Stanislaw Lem contesta radicalmente essa crença, esse postulado e essa vitória. É mesmo - segundo Jacques Bergier - o primeiro escritor de science-fiction a rejeitar o que toda a ciência oficial tem como indiscutível e inabalável. E não o faz em volumes filosóficos de restrita audiência mas através de romances apaixonantes cuja tiragem global atinge milhões de exemplares em um grande número de línguas.
Stanislaw Lem como o professor Jacques Monod, prémio Nobel francês, como o professor Pierre Auger e como muitos outros espíritos, deve pensar que os limites da imaginação estão muito próximos e sofre com isso. Não retira nenhuma alegria do aspecto feérico e fantástico do Universo. Está bem longe da mentalidade do biologista inglês J.B.S. Haldane (materialista e marxista, também e todavia) que dizia: «Colecciono o que é realmente bizarro em química e física e nunca neglicencio nada».
O choque de pensamento entre posições opostas como as de Jacques Bergier (um teilhardiano convicto) e Stanislaw Lem (um marxista pouco ortodoxo) é não só um curioso espectáculo de tolerância intelectual mas um fascinante exemplo a seguir para quem deseja avançar em novas direcções a caminho do desconhecido : seja ele, o futuro, possível ou impossível.
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(*) Este texto de Afonso Cautela foi publicado no semanário « Mar Alto», na rubrica Temas de Amanhã, em 19-7-1972
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lem-2> gato das letras - 1ª linha


STANISLAW LEM: OBRAS EM EDIÇÃO PORTUGUESA

LEM, Stanislaw - Congresso Futurológico - 1ª Ed 86- Col. Caminho de Bolso - 192 Pág. - Ed. Caminho
LEM, Stanislaw - Fiasco - 1ª ed. 89 - Col. Nébula - 312 Pág. - Ed. Europa - América
LEM, Stanislaw - A Máscara - 1ª Ed 90 - Col. Caminho de Bolso - Série Ficção Científica - 194 Pág - Ed. Caminho
Lem, Stanislaw - Memórias Encontradas numa Banheira - 1ª Ed 84 - Col. Caminho de Bolso - Ed. Caminho
LEM, Stanislaw - Regresso das Estrelas - 1ª Ed 83 - Col. Livros de Bolso - Série Ficção Científica -188 Pág. - Ed. Europa América
LEM. Stanislaw - Solaris - 1ª Ed 83 - Col. Livros do Bolso - Série Ficção Científica - 184 Pág. - Europa América
LEM, Stanislaw - Viagens de Ijon Tichy - 1ª Ed 87 - Col. Caminho de Bolso - 192 Pág. - Ed. Caminho
LEM, Stanislaw - A Voz do Dono - 1ª Ed 85 - Col. Livros de Bolso - Série Ficção Científica - 144 Pág.- Ed. Europa-América
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http://www.cyberiad.info/english/main.htm■

D.H.LAWRENCE: OS CAMINHOS DO MARAVILHOSO




lawrence-1> quinta-feira, 13 de Junho de 2002

solta ou em secção «releituras do acaso» - suplemento «Largo» - 3772 caracteres - hipóteses para ilustrar: retratos de D.H. Lawrence, Henry Miller, Henri Michaux, etc - correspondências mágicas - caminhos do maravilhoso - releituras do Acaso

VANGUARDA, REGRESSO ÀS ORIGENS

3/2/1992 - Em pintura, as aquisições da revolução modernista foram, quase sempre, a descoberta do que permanecera até então virgem dos olhos ocidentais do colonizador branco, no tempo e principalmente no espaço. E a arte dos chamados «povos primitivos» passou ao primeiro plano das revistas e casas da especialidade. Generalizou-se mesmo um snobismo do exótico, que houve aliás em todos os tempos mas a que a sensibilidade ocidental (europeia, norte-americana e satélites) se tem mostrado particularmente sensível, talvez com objectivos turísticos.
Apaixonado pelos padrões de vida diferentes do padrão Ocidental, o profeta e escritor de língua inglesa David Herbert Lawrence, deixou impregnar a sua obra de culturas alheias e quase adoptou como suas: o México de «A Serpente Emplumada», e a Austrália de «O Canguru».
Henry Miller, outro crítico implacável da «civilização» ocidental, adoptou como suas, outras culturas e outras obras. Manifesta, por exemplo, é a sua predilecção pela tradição dos magos e alquimistas, nomeadamente numa das obras capitais do seu pensamento, «Souvenirs, Souvenirs».
Henri Michaux -- pesquisador das realidades-limite, sempre em viagem fora e dentro de si, à procura de novas ópticas para compreender aspectos da realidade que a razão até agora não esgotou -- não inventou apenas países na sua imaginação, mas viveu em outros que se diriam «imaginários» de tão desconhecidos e desprezados. Michaux, que leu poetas chineses e místicos hindus, conferiu à poesia atribuições que muitos ignoram mas de que ele foi arauto e profeta. Será que sem essa universalidade, e essa gama de pesquisas nas mais diversas experiências, o poeta hoje já pouco ou nada tem a descobrir que valha a pena dizer ao homem da sociedade industrial, estandartizado pelos próprios produtos standart a que se reduziu todo o processo de criação?
Movidos quase só pelo exótico, recordam-se alguns autores que captaram de culturas não ocidentais os aspectos por vezes só exteriores mas que tinham afinidades com a sua própria linguagem: Venceslau de Moraes e Camilo Pessanha são casos bem conhecidos na literatura de autores portugueses.
Pode ser uma minoria de vinte milhões (os negros americanos dentro da população) ou apenas de algumas unidades. Mas o que define as minorias -- a solidariedade universal -- torna-as na soma e totalidade da (?) maioria absoluta. Só que, por distribuição irregular de riquezas, as minorias aparentes são as maiorias reais (em poder económico e político) e as minorias reais são as maiorias aparentes.
Exemplificando, na literatura: autores privilegiados, pertencentes à classe que pode e manda, monopolizam o direito de falar dos outros, dos próprios humilhados e ofendidos, do lumpen-proletariat, dos que não têm voz; monopolizam a voz dos que a não têm e deles, sobre eles, por eles falam.
Caryl Chessmann, Albertine Sarrazin, Violette Leduc, Jean Genet, surgidos da inframiséria que os privilegiados denominam abjecção, falam de si e por si. Mostram o avesso da sociedade luxuriante e luxuriosa. Quando procuramos, no deserto humano que constitui hoje o «convívio» tal como as empresas e o trabalho o estabeleceram, só nos perseguidos de todos os tempos encontramos, tanto como na música, a companhia não alienada, a companhia que não é ainda outra forma burlesca de solidão. Perseguidos e doentes, «out-siders» e franco-atiradores, segregados e famintos, de qualquer forma e por qualquer motivo o rebotalho da sociedade da pilhagem, as sobras da abundância, as migalhas do banquete.