domingo, 2 de janeiro de 2011

PLANÈTE E PENSAMENTO PLANETÁRIO-I


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planète-2> notícias do futuro

INVESTIGAÇÃO PROSPECTIVA (*)

Em declarações prestadas à revista «Le Nouveau Planète» (nº16, de Maio último) Henri Bianchi, director do Centro de Investigação «Science et Vie», em Paris, fala deste novo grupo de trabalho e dos objectivos que se propõe nos domínios da previsão e da prospectiva.
Pronunciando-se sobre Bertrand de Jouvenel, um pioneiro da futurologia quando ela era ainda uma palavra vaga para a maioria das pessoas, Henri Bianchi confessa a sua admiração pelo autor de «L'art de la Conjecture» e acentua não a divergência mas a diferença existente entre o Centro «Science et Vie» e as actividades de Bertrand de Jouvenel, através das suas revistas «Futuribles» e «Analyse et Prévision».
«Penso que nos situamos em terrenos completamente diferentes - acentua - no sentido que queremos dar à aplicação.
«Bertrand de Jouvenel, no plano de actividade do grupo «Futuribles» e do Centro de Estudos sobre o Futuro da Faculdade de Direito, reúne e põe à disposição dos investigadores uma soma de informações.»
Diplomado pelo Instituto de Estudos Políticos, antigo aluno da Escola Prática de Altos Estudos, Henry Bianchi explica assim o nascimento do novo centro prospectivo:
«É um grupo de Imprensa («Science et Vie», «L’Action Automobile e Touristique», «Moteurs», etc), que tomou a iniciativa de financiar uma investigação perfeitamente desinteressada. A forma jurídica do Centro é a de uma associação de fins não lucrativos. Trata-se de um organismo privado. Com efeito, somos um pequeno grupo de 5 investigadores multidisciplinares e o que nos guiou desde a partida foi, antes de mais nada, o cuidado de adoptar uma reflexão própria sobre as alternativas da evolução social, tomando-se este termo na mais lata acepção.
«Convém acentuar que existe uma previsão tecnológica, uma previsão económica, uma prospectiva urbana, etc., apoiando-se sobre uma reflexão científica e sobre métodos precisos - enquanto uma prospectiva social global se situa ao nível da filosofia. É esta a razão pela qual as teorias existentes da evolução social são objecto de controvérsia».
«Em contrapartida e sob a pressão dos acontecimentos, quer, dizer, das tomadas de consciência e das necessidades que nascem da sociedade contemporânea, esta prospectiva social torna-se, de ano para ano, mais necessária . Ao mesmo tempo que se manifesta um cuidado voluntarista, há a necessidade de escolher vias de evolução, de lhe fixar os fins, mais do que fazer teoria.»
Ainda Bianchi; «O nosso primeiro trabalho de investigação é completamente experimental: uma tentativa de estabelecer um sistema de indicadores sociais. Esta experiência foi realizada, no que respeita ao tratamento da informação, no Centro de Cálculo Franlab (filial do Instituto Francês do Petróleo) com o qual continuaremos a colaborar em contratos para estudos ulteriores. O nosso sistema de indicadores designa-se por «Modelo Futuro», (Modèle Avenir).
E mais disse Bianchi: «O que queremos sublinhar neste nosso eco (breve) é, por um lado, o escasso número de pessoas (cinco) que puseram de pé o Groupe de Recherches Science et Vie e, por outro, o solícito mecenato de duas empresas puramente comerciais que lhe derem apoio: empresas comerciais mas que conhecem o valor das ideias, da investigação, do pensamento e da inteligência até no campo das aplicações práticas ou dos lucros a multiplicar. Empresas que já sabem hoje que o melhor investimento do presente está no futuro e na arte ( difícil mas possível) de o imaginar.»
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(*) Este texto foi publicado no diário «O Século» (Lisboa) , na coluna do autor «Etapas para o Ano 2000», em 29/7/1970

planète-5> o movimento das ideias - para a história das ideias - em demanda do novo paradigma

«PLANÈTE» E PENSAMENTO PLANETÁRIO (*)

Entre outros textos decisivos para esclarecimento do tema proposto - Liberdade e Alienação no Pensamento Contemporâneo - o número 7 da colecção Cadernos do Século publica o de André Amar, «Que é o Pensamento Planetário», aí historiando a génese, o desenvolvimento e eclosão do que hoje é considerado a vanguarda do pensamento europeu.
O «realismo fantástico», aberto com o livro-manifesto Le Matin des Magiciens (1), constitui um dos momentos importantes dessa vanguarda, assim como a revista Le Nouveau Planète que, sucedendo-se aos números da Planète, vai no seu número 20 (Dezembro de 1970).
André Amar fez parte da equipa redactorial da revista, na sua primeira série, e encontra-se particularmente habilitado para enunciar a síntese desse neo-utopismo a que alguns pensadores (de procedências políticas tão várias) hoje vão dar, desde Edgar Morin a Henri Lefèbvre, de Roger Garaudy a André Gorz, de Danilo Dolci a Josué de Castro, de Gaston Berger a Louis Armand.
Antigo aluno da Escola Normal Superior, André Amar é professor do Instituto de Estudos Políticos de Paris, desde 1948 e o seu estudo, neste Instituto, incidiu sobre história da filosofia europeia. Hoje preocupam-no, principalmente, as consequências políticas e sociais do desenvolvimento científico, preocupação-chave do já referido «realismo fantástico», baptizado também de pensamento planetário.
Mas planetário porquê? Não apenas porque foi na revista Planète que esse espírito encontrou uma das suas mais brilhantes expressões, e onde nasceu a sua sistematização, mas porque se trata, de facto, de uma universalidade de campos, processos, objectivos e interesses pela primeira vez reconhecidos como motor de toda a acção prática. Uma nova antropolítica, como recomenda Edgar Morin?
O conhecimento e reconhecimento de todas as culturas da terra, não só o respeito mas o amor activo por elas e a comparticipação nelas desde dentro (La Pyramide Humaine, filme de Jean Rouch, guiado por Edgar Morin, paradigmatiza esse espírito desde dentro), encontra-se entre os tópicos centrais do que André Amar denomina «pensamento planetário».
«A expressão - explica ele - nasceu há alguns anos, aqui mesmo na Europa. Se esta expressão não é um vocábulo efémero, ela tem antecedentes e, por consequência, deve situar-se na linha de evolução do pensamento ocidental.»
Mais decisivo na definição do arquiagressor Ocidente, Amar escreve:
«Sejam quais forem as variações do pensamento ocidental moderno, há um tema fundamental que permanece: a civilização ocidental posta em dúvida pelo pensamento ocidental. E este tema que, prolongado, conduz ao pensamento planetário.»

Quer dizer: o melhor do pensamento ocidental, como sublinhara Malraux, caracteriza-se hoje pela sua auto-contestação. São os próprios herdeiros do sistema que o criticam e o põem em cheque.
Para justificar o que há de neo-utopismo e de neo-misticismo no novo pensamento, André Amar é bem claro:
«Um pensamento que se deseja rigoroso e que recusa ser somente uma confusa aspiração nostálgica, não pode fazer como se a axiomática matemática, a fisica do átomo, a psicanálise ou o marxismo não tivessem jamais existido. O espírito não se encontra senão no Ponto de Convergência de todas as vias da inteligência.»
O que Le Matin dos Magiciens e os escritos de Planète não cessam de lembrar, é que o Ponto de Convergência é a fusão final da álgebra, da poesia, da estética, da fisica, da mitologia.
«O fantástico é assim a primeira etapa no itinerário do pensamento, mas o fantástico não é jamais senão a figura insólita do real e entra na ordem quando a inteligência se apodera dele.
«Pensar é preservar o Ponto de Convergência. Que ele seja abandonado, o pensamento estiola e morre.»
Com tal programa ecuménico e prospectivante, não admira que a revista Planète, dirigida por Louis Pauwels, tenha sido tão mal compreendida pelos imobilistas e obscurantistas de todos os quadrantes, incluindo o surrealista e o racionalista. Em todo o Mundo e também por aqui, tão ocupados andam os homens de acção com os sistemas locais, que nada podem nem querem ver dos movimentos de ideias que, antes de mais e acima de tudo, relevam de uma universalidade planetária.
Contra o imobilismo das instituições culturais, educativas e de ensino, das escolas filosóficas e dos institutos de investigação (onde o conhecimento está na posse de alguns para proveito de poucos mais), contra os círculos fechados e académicos, Planète e o pensamento planetário proclamam a necessidade de fazer contactar todos os sistemas estanques (cientistas com proletariado intelectual).
Não admira que os redutos do imobilismo, as cidadelas da ciência oficial, as ortodoxias imperantes, o espírito de sistema e o imobilismo, a dogmática e a escolástica, o bom senso e o senso comum, desencadeassem uma reacção em torrente contra a filosofia do movimento e contra o movimento de todas as filosofias. Que reagissem, prestes, contra esta «exoterização» das suas afinal ocultas ciências. Planète, que também se tem proposto reabilitar o que na tradição ocultista houve de avanço e conhecimento, recusa-se a fazer da ciência oficial uma sabedoria só para eleitos ou iniciados. Porque a ciência oficial é que se tem instaurado - pela falta de universalidade e de planetarismo ecuménico... - em ciência oculta e hermética.
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(1) O Despertar dos Mágicos, de Louis Pauwels e Jacques Bergier, em tradução portuguesa de Gina de Freitas e edição da Bertrand, aparece em 1960, na edição da Gallimard, marcando aí uma data decisiva ao pensamento planetário.

(*) Este texto foi publicado parcialmente no diário «Notícias da Beira, (Moçambique) na rubrica do autor intitulada «Notícias do Futuro», em 6/2/1971, e no semanário «O Século Ilustrado» (Lisboa), na rubrica do autor intitulada «Futuro», em 6/2/1971

L. PAUWELS E J. BERGIER: «O HOMEM ETERNO»-II


planète-7> o movimento das ideias - releituras mágicas - em demanda do novo paradigma

AS CIVILIZAÇÕES POSSÍVEIS (*)

«L’Homme Eternel», o livro de Louis Pauwels e Jacques Bergier, no mesmo estilo que tornou famoso «O Despertar dos Mágicos», vai coligindo todos os sinais que, reconhecidos até agora, nos induzem a considerar uma multiplicidade de civilizações antes desta nossa. A hipótese, aliás, parece fecunda, a avaliar pelas duas séries - Planète e Le Nouveau Planète - da revista a que deu origem. Agora que foi anunciado o fim da segunda série e a reaparição, em 15 de Outubro, de uma Planète completamente remodelada, a expectativa dos «mutantes» é justificada. Como justificada é a expectativa dos que aguardam a edição portuguesa de L’Homme Eternel, já anunciada para o próximo mês de Dezembro, lançada pela Bertrand. Os contemporâneos do futuro es-tão cada vez mais e ao que parece no caminho certo. Os factos têm vindo confirmar as (mais ousadas) antecipações.
Falando ainda das várias civilizações possíveis, no tem-po e no espaço, facto que choca o ancestral racismo e o inveterado chauvinismo do homem europeu, devem referir-se dois outros pontos de fricção onde o tal racismo faz imediatamente faísca: ao contacto com o zen-budismo, por exemplo, largamente adaptado pelas comunidades jovens, «hippies» ou não, as estruturas estabelecidas, reagindo pela brutalidade ou pela repressão, demonstram bem o pânico de que se tomam. É incrível, aliás, que gente «civilizada» possa acolher a religião da não-violência com tamanha agressividade.
Outro aspecto da «paz» branca é o da polivalência ou relatividade cultural, encarada como objecto abstracto de assimilação filosófica, maneira que a ciência universitária (estruturalismo à cabe-ça) encontrou de digerir um fenómeno para ela bastante indigesto como é, precisamente, a existência e autonomia de outras culturas, de outras etnias, de outras epistemes, de outras morais que fundamentalmente contrariam as vigentes.
O estruturalismo foi a última invenção das ciências humanas para ocultar a sua própria e estrutural covardia. Reduzindo à teoria a realidade humana polimorfa, julgará a ciência oficial liquidar as dificuldades tratadas por uma revolução humana e humanista que não soube (ainda) fazer? Tudo indica que a ciência oficial chegou ao fim (o diagnóstico está feito desde 1960, data em que se publicou Le Matin des Magiciens). Agora, ao que parece, a Mutação é muito mais im-portante que a verborreia teoricista dos verborreicos cientistas que, inventando a Ecologia, por exemplo, julgavam ter resolvido o super-problema da Poluição. O homem europeu raciocina assim como um menino antes de belfegorizado pela televisão: julga ter aniquilado a febre e a doença de que a febre é sintoma só porque a mediu com um bem graduado termómetro...
É isto o que à custa de muitos e belos entalanços, o homem europeu está finalmente em vias de ver: que não basta pôr o termómetro e medir a febre, para que a doença desapareça. Mas isso já o Zen sabia, há pelo menos uns dois mil anos. Como não hão-de as populações assustar-se com a eventualidade de uma «invasão» marciana? Se elas ficam assustadíssimas só com a eventualidade do Zen budismo ter... razão!
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(1) «L’homme eternel», de Louis Pauwels e Jacques Bergier, Gallimard, Paris, 1970, 175$50

(*) Este texto foi publicado no diário «Notícias da Beira», Moçambique, na rubrica do autor intitulada «Notícias do Futuro», em 30/8/1971

O DESPERTAR DOS MÁGICOS




planète-3> - releituras mágicas - em demanda do novo paradigma - para a história das ideias - notícias do futuro

«LE MATIN DES MAGICIENS»: MANIFESTO DO REALISMO FANTÁSTICO


Subintitulado «Uma introdução ao realismo fantástico», o livro de Louis Pauwels e Jacques Bergier Le Matin dez Magiciens foi considerado já o manifesto de uma nova ciência - a ciência do futuro -, não só porque explora e pesquisa em todos os sentidos o conhecimento dessa terceira dimensão do tempo (o futuro) mas também porque será, sem favor, a primeira ciência a cultivar, entre todas, no tempo que há-de vir; ou antes, no tempo que acaba de começar.
«Le Futur Antérieur» se intitula a primeira parte desse manifesto, e nela se dá a conhecer a «forma como o século XIX fechou as portas à realidade fantástica do homem, do mundo, do universo; a maneira como o século XX as reabre, e como as nossas filosofias e a nossa sociologia, que deviam ser contemporâneas do futuro, não o são, continuando acorrentadas a esse caduco século XIX».
O título do livro tem induzido em erro e na maior desconfiança os que se aproximam já desconfiados. «Magos» evoca, entre os que se julgam libertos de preconceitos irracionalistas, a charlatanice de certos habilidosos que, mal tolerados pelas leis vigentes, exercem uma forma de ganhar a vida como qualquer outra, nos subúrbios pobres das cidades ricas. Congressos internacionais, filtrados pela fina ironia das agências de informação, ajudam a consolidar esta ideia pejorativa que até certo ponto se justifica mas que seria desejável estender a outros e todos os tipos de charlatanice em vigor.
Por exemplo: irremediàvelmente preconceituoso e charlatão é quem, mesmo aconselhado por pessoas de crédito, se ficar, no livro de Pauwels e Bergier, pelo título e pelo que ele evoca à primeira impressão. Com surpresa e alguma raiva terá que verificar, quem se dispuser a aprofundar o caso, que nada existe ali de crendice proverbial, de invocação iniciática ou de apologética às ciências ocultas. O «amanhecer dos mágicos» refere-se (é evidente) ao amanhecer dos que sabem, dos que, embora no presente, já vivem o futuro e no futuro (única forma, talvez, de viver o presente).
«Magos» são os que praticam a magia da imaginação criadora, os que tentam a metamorfose do homem novo, os que realizam em si próprios, antecipando-se, a evolução necessária de tudo quanto vive e é movimento, acção, progresso.
Talvez indispostos, os que verificam tratar-se de um livro tão violentamente voltado para o futuro, ficam também decepcionados por não haver ali pasto passadista que ruminar e contra o qual atirar as suas furiosas críticas.
O que irrita, de facto, no movimento do realismo fantástico é esta conjugação harmónica de futuro e tradição, esta síntese de contrários que se mostra sempre e em tudo, por muito que o leitor se julgasse actualizado e «à la page» para lá de nós próprios e das nossas limitações. Um pouco de inveja, um pouco de despeito compõem o quadro da reacção mais usual perante um movimento de ideias que, de repente, nos ultrapassa e faz de nós (ainda os mais avançados), impenitentes conservadores, estagnados dentro dos nossos confortáveis preconceitos.
O livro ensina-nos que a pior reacção está não só na mentalidade política que se perfilha, mas também em toda a parte onde o espírito inovador, dialéctico e revolucionário encontre obstáculos para se desenvolver:
«Bruscamente, as portas cuidadosamente fechadas pelo século XIX sobre as infinitas possibilidades do homem, da matéria, da energia, do espaço e do tempo vão cair em estilhaços. As ciências e as técnicas darão um salto formidável, e a própria natureza do conhecimento vai ser novamente discutida. Mais do que um progresso: uma transmutação. Neste novo estado do mundo, a própria consciência deve mudar de estado. Actualmente, em todos os domínios, todas as formas da imaginação estão em movimento. Excepto nos domínios onde se desenrola a nossa vida «histórica», obstruída, dolorosa, com a precariedade das coisas condenadas. Um fosso imenso separa o homem da aventura da humanidade, as nossas sociedades da nossa civilização. Vivemos à base de ideias, de morais, de sociologias, de filosofias e de uma psicologia que pertencem ao século XIX. Somos os nossos próprios bisavós. Contemplamos a subida dos foguetões em direcção ao cosmos. Sentimos a Terra vibrar por mil radiações novas, chupando o cachimbo de Thomas Graindorge. A nossa literatura, os nossos debates filosóficos, os nossos conflitos ideológicos, a nossa atitude perante a realidade, tudo isso dormita atrás das portas que acabam de ir pelos ares »
Toda a literatura burguesa de comportamentos, situações e descritivos, baseada em esquemas da psicologia clássica que se ocupa da superfície diurna da realidade, e ainda por cima, a realidade mesquinha, limitada, asfixiante da classe dominante; ou mesmo o realismo que pretende retratar a luta da classe dominada; ou mesmo o novo romance e suas técnicas de atomizar a linguagem; nenhuma dessas tendências literárias se apresenta aos autores de «O Despertar dos Mágicos» capaz de enfrentar o desafio do futuro. Para eles é necessário, desde já, uma literatura diferente ou paralela dos grandes empreendimentos da ciência moderna, em especial a física teórica, que é, por si só e na opinião dos autores, o «verdadeiro romanesco»:
«O moderno mundo da física desmente terminantemente as filosofias do desespero e do absurdo. Ciência sem consciência não passa de ruína de alma, mas consciência sem ciência é ruína idêntica As filosofias que atravessam a Europa no século XX são fantasmas do século XIX vestidos à forma actual Um conhecimento real, objectivo, do facto técnico e científico, que tarde ou cedo arrasta o facto social ensina-nos que há uma direcção nítida na história humana, um acréscimo do poder do homem, uma subida do espírito geral, uma enorme forja das massas que as transforma em consciência activa, o acesso a uma civilização na qual a vida será tão superior à nossa como a nossa em relação à dos animais»
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(*) Este texto foi publicado no semanário «O Século Ilustrado» (Lisboa), na coluna do autor «O Futuro em Questão» , em 22/Agosto/1970
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planète-4> releituras mágicas - notícias do futuro

«O HOMEM, ESSE INFINITO»(*)

O tema do «homem superior» é um dos mais generalizados, não só entre as utopias clássicas, como na moderna ciência-ficção, como, ainda e principalmente, na mitologia «sub» dos seriais em quadradinhos. Esta forte incidência merecia um estudo sociológico sério, pois não deve ser por acaso que um mito acompanha assim, através dos séculos e subordinado a tão diversas circunstâncias históricas, a obcecante imaginação dos povos. Tratar-se-á de mais uma manifestação do «inconsciente colectivo» que Jung já não teve tempo de estudar? Ou apenas uma ideia fixa, um arquétipo rudimentar que, em cada época, reúne e sintetiza as ambições e os sonhos do homem real, desfasado e longe como sempre se encontra de si próprio e dos mitos por si próprio inventados?
Um livro recentemente incluído nas edições da Galeria Panorama vem repor o tema do «homem superior», não esquecendo o prefaciador de citar o nome de Frederico Nietzsche e o seu «uber-mench», autor e concepção esses, como se sabe, bastante deturpados no que à interpretação do mito respeita. A onda avassaladora de racismo que (sem o filósofo ter nenhuma culpa disso) iria invadir a Europa teve, nas concepções do autor de «Assim Falava Zaratustra» uma pretensa justificação teórica. Mas esta confusão não resiste a uma crítica mais profunda e verificou-se depois que basear a supremacia da raça germânica nas metáforas poéticas do «super-homem» nietzscheano era algo de inverosímil e contraditório. A tese, no entanto, e pelo que se vê, não deixa, ainda hoje, de ter adeptos.
«O Novo Adão» - título da obra acima referida, assinada por Stanley G. Weinbaum, retoma uma concepção de «homem superior» que, mau grado a tese do prefaciador, se aproxima muito mais de H.G. Wells do que de Nietzsche.
Foi, com efeito, o autor da «História do Futuro» quem visionou uma nova espécie, um ser mais evoluído, a partir de padrão existente que ele considerou superior: o cientista e (quase) o técnico ou investigador de laboratório. «O Novo Adão» macaqueia a infância, juventude e velhice de um génio cujas aptidões consistem essencialmente em deslindar técnicas e aplicações tecnológicas da ciência (o tipo, digamos, de inventor).
O defeito de concepções rudimentares como esta é que não atendem à totalidade do engenho humano. Fazem do «génio» um técnico, um especialista, um perito de artes e ofícios. Ora o contemporâneo do futuro ou «ser mais Hir» (esta expressão pertence a Romeu de Melo, nosso primeiro escritor de ciência-ficção), o mutante, o homem culturalmente mais evoluído e complexo terá de superar essa antinomia entre especialidade e generalidade, técnica e cultura. Os casos de génio que a História regista são muito mais casos de síntese do que de poder analítico. Mesmo quando homens de ciência (Einstein, Freud), o que os tornou universalmente interessantes e fecundos foram as consequências teóricas, filosóficas, gerais das suas descobertas «técnicas» (parciais).
Pelo menos até agora e no que à produção intelectual diz respeito, um caso de génio caracteriza-se pela invenção de uma teoria nova ou de uma nova concepção do homem, nas suas relações consigo, a sociedade, o universo. O filósofo ou o poeta estão, portanto, mais próximos do padrão ideal do que o investigador e o especialista que não transcendem o seu ramo particular do conhecimento.
O mito do «supermacaco», porém, pode ser entendido em outro campo: não o de indivíduo excepcional no meio de multidões ignaras e contentes da sua qualidade «maciça», mas no campo da espécie ou raça, quer dizer, «o homem, esse infinito» parafraseia a possibilidade de fazer nascer uma nova raça dentro da que existe, tal como o «homo sapiens» teria sucedido ao macaco antropóide, como da larva nasce a borboleta. Fala-se aí de mutação e de mutantes, outro mito, outra obsessão que acompanha os sonhos acordados da espécie.
Deve sublinhar-se que, de todas as concepções padronizadas, a que «Le Matin des Magiciens» («O Despertar dos Mágicos», na tradução portuguesa) apresenta, se afigura a mais coerente e verosímil: trata-se aí, sem utopia e sem mania das grandezas, de pressupor a espécie humana como um reservatório inesgotável de possibilidades adormecidas, de recursos por explorar, de potenciais energias por educar e canalizar. A máquina humana é educável, recuperável, susceptível de todas as adaptações ao meio e de inventar, até, segundas ou terceiras naturezas quando o meio lhe é hostil ou pouco favorável.
Visto assim, o mito do «homem superior» deixa de consistir numa monomania racista de hipertrofiar e deturpar a realidade, para ser (como também queria Nietzsche) a realidade mesmo explorada em todos os sentidos e recursos. Deixa de ser uma inarmonia inaudível de exigências brutas em choque perpétuo (todo o espectáculo de violência e subdesenvolvimento que se observa no planeta) para ser a realização harmónica, plausível e moral da criatura humana.
Que as histórias em quadradinhos deturpem o quadro e ponham sempre o «super-homem» ao serviço da violência física, não admira: trata-se de uma indústria (a dos «sub») ao serviço de um mercado consumidor que se pretende «mentalizar», mercado que não selecciona, não critica, não hierarquiza, não pensa.

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(*) Este texto foi publicado no semanário «O Século Ilustrado», na coluna do autor intitulada «O Futuro em Questão», 12/12/1970

O MISTÉRIO DA MORTE






morte-1> Da Psicologia à Noologia


AQUILO A QUE CHAMAM MORTE

ROTEIRO DE LEITURAS PARA O ESTUDANTE

«Para nós, na nossa vida e no nosso universo, há apenas um acontecimento de monta: é a nossa morte.»
Maurice Maeterlinck, «A Morte», Ed. Clássica - Lisboa, 1924

15/Novembro/1998 - O que as várias ciências e religiões, artes e letras, têm dito sobre aquilo a que chamam morte, informa mais sobre essas ciências e religiões, seus equívocos e limitações, sua cegueira e ignorância, do que propriamente sobre o tema que é suposto tratarem.
Provavelmente, ganharíamos mais informação se fôssemos por outra via, ou seja, escolhendo outro método que não seja o do conhecimento racional e/ou místico, usando outra linguagem que não seja a linguagem verbal de primeira ou primária instância.
Há outras linguagens, hoje, ao nosso alcance e provavelmente encontra-se entre elas a linguagem que nos poderá exprimir melhor o mistério da morte.
A questão daquilo a que chamam morte parece ser, de facto, o método de acesso que tem sido utilizado e a linguagem com que se pretende exprimir o conhecimento desse «fenómeno».
Como se aquilo a que chamam morte fosse mais um fenómeno entre outros e não o anti-fenómeno, ou seja, o que escapa à circunstancialidade e imanência das morfologias materiais.
Sem se postular a realidade energética global entre céu e terra, pouco poderemos adiantar no conhecimento daquilo a que chamamos morte.
O conhecimento, neste caso, deverá ser mais próximo da gnose e portanto da experiência vivida. Connaitre ou «viver com». Facto que se verifica com todas as ciências iniciáticas. Ocorrência experimental no sentido físico da palavra, experiência subjectiva no sentido psicologístico, dimensão metafísica no sentido filosófico ou momento na eternidade segundo os místicos, artigo de fé segundo as religiões, tudo isso poderá ser uma aproximação ao tema daquilo a que chamam morte.
Mas uma aproximação que, segundo podemos constatar pela bibliografia disponível, mais nos afastou do que aproximou do tema em causa.
Se é certo que não se chega a Deus (e portanto ao conhecimento da morte) pelos livros, também é verdade que alguns (muitos) livros e autores nos podem impedir definitivamente de lá chegar.
A pretexto de nos darem mensagens da «new age», da nova era do Aquário, do Terceiro Milénio e outras antecipações que enchem hoje a mitologia mediática, a verdade é que o mercado das energias está pejado de «atrasos de vida» no sentido literal da palavra: correntes, grupos, gurus, escolas, seitas que, em nome de nos prepararem para a vida eterna, nos estão barrando o caminho para efectivamente lá chegar.
Atrasos de vida, neste aspecto, tínhamos o espiritismo. Hoje, são dezenas os atrasos de vida que nos impedem de conhecer a morte.

EROS E TANATOS

A perplexidade contemporânea poderá estar, em grande parte, nesse desvio de informação que a cultura ocidental tem produzido, com aspectos, por vezes, de perversidade sado-masoquista.
Entre as ciências que têm dedicado bibliografia à morte, lembram-se algumas.
A psicanálise de Freud limitou a morte no gueto da neurose, embora tivesse lançado uma pista que permanece metodològicamente válida, ao distinguir entre o instinto de morte (tanatos) e o instinto de eros.
Só que a dicotomia talvez não esteja correcta e que o oposto do instinto de morte talvez não seja o instinto do prazer.
Eros e tanatos?
Que podemos dizer sobre esta dicotomia?
Há um livro de León Perez, médico psiquiatra e professor de psicologia evolutiva da Universidade del Litoral, na Argentina, que sintetiza a forma como a psicanálise conseguiu «aprisionar» mais esse tema da vida psíquica.
No livro « Muerte Y Neurosis», ele realiza um estudo da atitude face à morte do ponto de vista dinâmico. Analisa, entre outros temas, o contexto cultural da morte, as posições religiosas e filosóficas, a morte como experiência, como fantasia e como ideologia, a evolução da vivência da morte através das idades, a ansiedade tanatofóbica como etiologia da neurose de angústia e a neurose hipocondríaca.
As defesas individuais e colectivas face à morte, tanatofobia e figura parental, castração e tanatofobia e, finalmente, o instinto de morte.
O livro de Leon Pérez serve de pretexto ao estudante de Naturologia para que perceba como a Psicanálise freudiana enclausura a realidade dentro de nomenclaturas rígidas. O que pode ser analisado nos resultados que o livro apresenta de investigações clínicas com pacientes moribundos.

SE A MORTE FOR A VIDA...

Se, como as mais antigas tradições do sagrado preconizam, a morte é a vida e a vida é um interregno rápido no seio da eternidade, o instinto de eros, nesse caso, significará a morte e o tanatos significará o apelo eterno da vida.
A praxis contemporânea, aliás, parece confirmar esta tese: sexo e morte andam mais do que nunca ligados, o instinto do prazer transformou a sociedade de consumo num pântano ou chafurdo hedonista que nunca os filósofos ditos hedonistas poderiam imaginar.
A doença mais falada, ainda que imaginária, pode dar-nos algumas pistas interessantes sobre essa associação contra natura entre eros e tanatos.
Pavlov veio ajudar à festa hedonista/consumista, com a teoria do reflexo condicionado.
A comercialização do sexo é um dos aspectos mais flagrantes de toda essa linha a que a psicanálise tem dado fôlego, o que faz, por sua vez, da psicanálise a corrente psicologística mais popular nas modernas sociedades de consumo.
As correntes da psicologia que melhor se consomem são, evidentemente, aquelas que melhor servem o hedonismo da sociedade de consumo, com toda a mitologia publicitária adjacente.
Uma associação causal tem que ser referida entre consciência da morte, sociedade de consumo e doenças da sociedade de consumo. Comum a todos esses temas a Entropia crescente que domina a sociedade moderna da ciência e da tecnologia.
A Entropia dominante daquilo a que já chamaram «era do virtual» conduz, por exemplo, à imunodeficiência e mesmo à imunodepressão, ou seja, ao esvaziamento ôntico dos indivíduos e da colectividade.
Não é por acaso que nesse esvaziamento, nessa Entropia e nesse virtual tem acção preponderante o orgasmo masculino, alvo de todas as campanhas mediáticas e publicitárias que directa ou indirectamente a ele incitam.
Se virmos os sais minerais que se perdem em cada ejaculação, podemos ficar com uma ideia do que essa campanha consegue fazer para a neurose individual e colectiva da morte.

DA ANTROPOLOGIA À FILOSOFIA

Outra ciência que tem dedicado livros à morte é a antropologia. Investiga-se o comportamento de grupos sociais face à morte como fenómeno exterior de uma subjectividade ou individualidade.
A antropologia trata, portanto, de um certo folclore da morte, como aliás trata de outros assuntos, sem que a palavra folclore seja depreciativa. É próprio da antropologia estudar usos e costumes dos povos...

Poderíamos deter-nos em Platão e no que ele diz sobre a imortalidade da alma, nesse diálogo maravilhoso que é o «Fédon».. É uma leitura extremamente proveitosa, se não nos deixarmos enlear por preconceitos racionalistas e quisermos navegar em águas que Platão não teve dúvidas em desbravar e que terão a ver ainda com os ecos, na altura recentes, que vinham da comunidade essénica, dos hierofantes egípcios (os que mais conhecem da morte) e do misterioso afundamento da Atlântida (ver os diálogos «Timeu» e «Fédon ou sobre A Imortalidade da Alma»).

A sociologia, pela mão do filósofo Edgar Morin, fez uma incursão no tema da morte e não se poderá dizer que «L'Homme et la Mort» (Ed. Seuil, 1970) seja um livro com grande carga informativa, apesar dos muitos autores citados, como aliás é próprio de um sociólogo como Edgar Morin.
Metchnikov, por ele citado, com a sua teoria das fermentações intestinais, interessa particularmente ao estudante de Naturologia.

Correntes profanas como o espiritismo têm, face à morte, uma atitude, no mínimo, pouco ética.
Embora os livros de Allan Kardec ( 1804-1869) estejam impregnados de moralismo, isso prova apenas que moral e ética não são a mesma coisa, podendo ser mesmo o contrário.
A morte entendida como uma transmigração das almas apanhadas, no meio da viagem, pela armadilha mediúnica, é qualquer coisa de inconcebível numa cultura e num contexto que se fundamentem no potencial sagrado do ser humano. Só concebível, portanto, numa cultura que se profanizou e profanou até aos limites do inverosímil.
Se a vida é uma escravatura obrigatória que pode levar à libertação definitiva, a praxis espírita será a eternização dessa escravatura e dessa servidão transitória. O que deveria fazer pensar muita gente para quem a fala com os mortos é um favor que os vivos lhes fazem.

Félix Bermudes (1874-1959) , que veio da Teosofia mas que também passou pela experiência espírita, tem um livro particularmente interessante para o estudioso da Naturologia, «A Conquista do Eterno», Ed. Civilização Brasileira - Rio, 1974.
Lido com espírito crítico, ajuda a compreender a polémica histórica que opôs a Sociedade Teosófica aos espíritas da época, assinalando uma das rupturas mais significativas da história das ideias e da mística em Portugal.
Vencidos os obstáculos de uma nomenclatura que vem da tradição hinduísta (e que tem dado lugar a muitos equívocos), a Teosofia pode ser uma introdução inteligente e válida ao tema da morte, ainda que karma e reincarnação, por exemplo, tenham causado estragos, por vezes irreversíveis, na inteligibilidade dos grandes mistérios do ser humano.
(Ver, em anexo, sobre o livro de Félix Bermudes um apontamento extraído de um diário pessoal).
A dissidência de Rudolfo Steiner (1861-1925) com a Teosofia, ao criar a Antroposofia, poderá ter sido um caminho que neutralizou muitos dos equívocos terminológicos e concorreu para um estabelecimento mais equilibrado da visão teosófica da morte.
Como se disse, a linguagem, nomenclatura ou terminologia é uma questão fundamental quando se fala daquilo a que chamam morte.
O escritor Albert Camus ( 1913-1960), precocemente falecido num estúpido desastre de automóvel, deixou no seu livro «O Mito de Sísifo» uma espécie de legenda para a Nova Era e o Novo Paradigma: «O suicídio é o único problema filosófico».
O escritor belga Maurice Maeterlinck (1862-1949) afirmara mais ou menos o mesmo: « «Para nós, na nossa vida e no nosso universo, há apenas um acontecimento de monta: é a nossa morte.»
O que faz da morte um tema literalmente eterno. O melhor sinónimo de morte, aliás, é eternidade.
E é a preparação para a eternidade (a que estamos, segundo parece, condenados) que nos poderia levar ao mais importante dos estudos a que um ser humano se deveria dedicar desde a primária: a Noologia/Tanatologia. Disciplina central, em futuro breve, de um curso de Naturologia.
O que a nossa professora de Psicologia parece ter pressentido, ao propor o tema da morte praticamente à entrada do semestre.
Curiosamente, no dia anterior, o nosso professor de História da Saúde, encetava o tema do parto e do nascimento através dos tempos.
Exacto: Nascimento e morte, temas holísticos por excelência, obrigatórios e prioritários num curso de Naturologia.

A VIDA DEPOIS DA MORTE

Tema que se tornou mesmo capa de magazine ilustrado, a vida depois da morte tem dado alguns livros e autores, uns mais deploráveis do que outros.
Recentemente, um escritor português famoso, José Cardoso Pires, deixou o seu testemunho no livro «De Profundis, Valsa Lenta». Mas a literatura já nos tinha deixado um interessante livro do romancista checo Milan Kundera (1929- ) sobre «A Imortalidade», onde analisa alguns autores, como Goethe, que viveram mais obcecados com o tema da morte e da imortalidade.
O teólogo erudito Leonardo Boff escreveu em «Vida para Além da Morte» um precioso livro com abundância de citações bíblicas, nomeadamente do «Velho Testamento». E se há fontes onde a informação fundamental jorra em caudal, é o Velho Testamento.
O obstáculo para aceder a essa informação, aí, é de outra ordem: descodificar os códigos que por motivos de competição religiosa se cristalizaram erroneamente. O Velho Testamento é o texto em que os tradutores/traidores têm actuado com mais ferocidade e pertinácia.
Um dos capítulos admiráveis e de leitura obrigatória dessa obra de Leonardo Boff diz respeito à escatologia e à apocalíptica, temas actualmente marcantes no comércio do oculto e que é preciso desmistificar. Leonardo Boff afirma: «Talvez nunca um tema se tenha prestado tanto à fantasia, às projecções mirabolantes e às manifestações arquetípicas do inconsciente do que esse: como será o fim do mundo? Por isso como em nenhum outro tema, devemos aplicar aqui o processo de desmitização.»
Tempo de falsas profecias, o fim da história, o fim do mundo, o fim da vida podem, mais do que a morte individual, polarizar energias muito mais fortes e agressivas do que o tema da morte individual.
Núcleo temático de extraordinário interesse em naturologia holística, o neo-profetismo e a apocaliptismo reinantes devem merecer, ao estudante, um momento de alguma reflexão crítica. Ele deve principalmente poder distinguir, em matéria de tanta confusão, o trigo do joio.
Leonardo Boff é uma boa ajuda. E a verdadeira significação da palavra Apocalipse também: Revelação.
Quando o teólogo é bom, como Boff, vamos encontrar melhor informação sobre aquilo a que chamam morte, do que nas disciplinas positivas, experimentais e racionalistas das ciências particulares, seja a história ( Philipe Ariès), seja a sociologia (Edgar Morin), seja a psicanálise freudiana ( Leon S. Perez).
Mas também a Psicologia não escapou ao fascínio do tema: a vida depois da morte.
E o espiritismo ainda hoje se gaba de ter no seu historial homens que foram cientistas de nomeada, como o físico e químico William Crookes (1832-1919) e o filósofo norte-americano William James (1842-1919), duas interessantes personalidades que a actual psicologia transpessoal tem em muito boa conta.
Apesar de herético e perigoso para o establishment, William James começa a ser de novo aceite pela comunidade dos psicólogos. Entre nós, o Núcleo da Associação de Estudantes criado na Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação, tem ajudado a reabilitar o estudo científico daquilo que a ciência positivista relegou para o caixote do lixo: ou seja, o potencial infinito do ser humano que o cientifismo decapitou quase na totalidade.