cesariny-5> sábado, 22 de junho de 2002 - «surrealismo & surrealistas» e «obituário ac»
SURREALISMO-ABJECCIONISMO: UMA SESSÃO NA CASA DA IMPRENSA(*)
(*) Esta notícia foi publicada no semanário «Jornal de Letras e Artes», em 10/4/1963
Conforme já noticiámos, realizou-se uma sessão na Casa da Imprensa para apresentar a antologia «Surrealismo-Abjeccionismo, organizada pelo poeta Mário Cesariny de Vasconcelos e editada pela «Minotauro». A sessão destinava-se, ainda, a estabelecer um convívio, breve mas tão estreito quanto possível, entre o público e alguns dos autores incluídos na colectânea. Na sua maior parte, são autores com obra fragmentariamente publicada, cuja produção corresponde a uma posição incompatível com as classificações tácitas, visando antes uma realidade inesperada, capaz de suscitar novas tomadas de consciência.
No decorrer da sessão foram lidos alguns textos que constituíram, para um público jovem na sua maior parte, uma verdadeira surpresa, pelo carácter de violência de que se revestiam. Foi impressionante verificar a reacção desse público que de forma entusiástica aderiu aos textos apresentados. Mário Cesariny deu agora um pouco da claridade necessária para que se possa ao menos vislumbrar as linhas de força de uma expressão que, dentro dos limites marcados pela conspiração do silêncio, não tem deixado de procurar uma via de comunicação com o público.
À margem do vasto programa, traçado com método e lucidez por Cesariny, ficaram bem legíveis os pontos em que se processa o inevitável embate dos temperamentos que na colectânea se reunem, se-
parados por destinos diversos mas convergindo num ponto de revolta a todos comum.
Isto significa a verificação de um objectivo idêntico, aspecto em que Mário Cesariny abre, à literatura portuguesa actual, uma nova e audaciosa perspectiva. A sua irreverência perante o já catalogado e as delimitações anteriores, objectiva-se num acto de justiça, que assume ao mesmo tempo a importância de apelo a uma revisão de valores. Essa revisão abalará, fatalmente, a serenidade de muitas hierarquias que se foram instaurando de modo arbitrário e despótico. Ao traçar o quadro surrealismo - abjeccionismo, Cesariny repudia, por exclusão, muitas expressões artísticas e literárias que disfrutam de larga reputação, mas que carecem da força que mantém a permanente tensão, os antagonismos extremes que impedem a paralização do espírito de rebeldia da obra de arte.
Assim se define a terrível beleza interior da arte, quer dizer, a veemência que a conserva intacta, submetida a uma atitude de denúncia que. cada vez mais se avoluma. E a antologia «Surrealismo-Abjeccionismo» é um documento colectivo de carácter artístico. Só depois transparece o resultado ulterior que lhe está implícito.
Foram lidos textos de Afonso Cautela, Almada Negreiros, António José Forte, António Santiago Areal, Ernesto Sampaio, Irene Lisboa, Luís Pacheco, Manuel de Lima, Mário Cesariny de Vasconcelos e Virgílio Martinho.
A sessão terminou com a leitura de uma peça de Mário Cesariny, uma sátira na linha das obras do «Judeu», em termos de actualidade. O mesmo clima virulento de desumanização, personagens transformadas em títeres movidos por um fatalismo implacável, pouco compatível com as tentativas de redenção. Pelo menos com a redenção fácil inerente a um programa que se anteponha ao espírito da tragédia.
Estavam expostos na sala, além das fotografias dos autores incluídos, algumas das obras plásticas reproduzidas na antologia e certos textos elucidativos das posições surrealista e abjeccionista.. No intervalo, foram oferecidos ao público exemplares dos livros que constituem a colecção «A Antologia em 1958» .
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(*) Esta notícia foi publicada no semanário «Jornal de Letras e Artes», em 10/4/1963
quinta-feira, 19 de julho de 2012
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