segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

ACTUALIDADE DE RAMON LULL-II

1-5-lulio; lull-5; livros; - tese – leituras


 UM GÉNIO DA ALQUIMIA EUROPEIA
 RAMON LULL E O LULISMO EM PORTUGAL
 FICHA ENCICLOPÉDICA (enciclopédia verbo)

RAMON LULL 1( Enciclopédia Verbo) - Missionário e pensador catalão ( Palma de Maiorca, entre 1232 e 1235).
Depois de levar vida mundana, abandonando mulher e filhos, entregou-se ao apostolado.
Desde então a sua vida é um contínuo peregrinar por Barcelona, Montpellier, corte papal, Paris, Génova, Norte de África, Chipre e Palestina, sempre com o mesmo objectivo de dar a conhecer a sua «Ars Magna» e de a pôr ao serviço da conversão de infiéis, em especial judeus e muçulmanos.
Para o fim da vida, o missionário dá lugar ao apologista que fez frente ao crescente averroísmo da Sorbonne.
No meio da sua vida agitada, pôde compor uns 256 livros ( com 27 mil páginas) que reflectem todos os aspectos do saber.
Lull escreveu em árabe, mais frequentemente, em catalão, fazendo com que logo os seus escritos fossem traduzidos para latim.
Se bem que o pensamento de Lull se não exaura com a «Ars Magna», esta obra é a que lhe mereceu maior fama.
Está-lhe subjacente o ideal missionário.
Lull parte da convicção da unidade da verdade , e daí vai à busca de um método para demonstrar as verdades da fé aos infiéis por meio das chamadas «razões necessárias».
Para isso põe em Deus uma série de princípios ou atributos essenciais, como a bondade, a grandeza, a eternidade, o poder, a sabedoria, etc., esforçando-se por relacioná-los com a sua semelhança nas criaturas.
Surge assim uma lógica comparativa, não formal mas material e, por assim dizer, ontológica, na qual o movimento dos conceitos segue o movimento da realidade.
Para facilitar o seu uso, Lull recorre a um sistema de letras, números e figuras geométricas que converte a sua arte num antepassado da lógica simbólica.
Certamente reside aqui - neste esforço para sistematizar e unificar o saber - a raiz da sedução que o pensamento de Lull exerceu na história.
Por isto tudo, Lull foi acusado de racionalismo e a sua doutrina condenada por Gregório XI, em 1376 (se bem que, posteriormente, Martinho V declarasse a bula papal sub-reptícia e nula).
Hoje é bem claro que as razões necessárias de Lull não passam de razões de congruência e que de, modo geral, o seu pensamento se situa no horizonte pré-tomista de Stº Anselmo e dos Victorinos, com o seu optimismo racional, mas também com uma visão agustiniana das relações entre a razão e a fé.
Sublinhe-se que a «Arte» de Lull é, ao mesmo tempo, procedimento lógico e método de contemplação.
Em Lull, o lógico e o polemista andam juntos com o místico.
À inteligência compete abrir o caminho para Deus, logo se retirando para deixar caminho livre ao amor .
O termo da filosofia é a porta para a mística.

RAMON LULL – 2 - Famoso filósofo medieval, poeta, teólogo e missionário maiorquino, chamado Doctor Iluminatissimus, Raimundo Lull foi o primeiro apóstolo do mundo muçulmano , numa época em que o islamismo era ele mesmo fortemente missionário, espalhando-se pelo arquipélago malaio e pela Índia, Geórgia, Egipto e entre os Mongóis , considerando crime de morte a apostasia dos seus.
Nasceu em Palma de Maiorca, circa 1235, de uma família nobre catalã ali estabelecida com extensas terras, desde a reconquista aos árabes.
O jovem Raimundo, casado cedo e trasladado ao continente, onde foi feito senescal na corte de Jaime II, experimentou as agitações de uma aventurosa e dissipada existência; mas em Julho de 1266, à volta dos trinta anos, renunciou subitamente à poesia erótica que cultivava e que o faz ser considerado o fundador da escola catalã de poesia, e à vida mundana que levava, desfez-se da maior parte dos seus cabedais, ficando com o indispensável para sua manutenção e de sua mulher e filhos e entregou-se, não a uma vida contemplativa, que a sua alma ardente e entranhadamente imaginosa não poderia levar, mas à meditação e ao estudo, no desejo de aplicar as suas faculdades na extensão do cristianismo.
Tem-se dito que tomou o hábito franciscano, outros pensam que foi irmão terceiro dessa ordem, mas nada está claramente comprovado a esse respeito, como em tantos outros particulares da sua vida.
O seu grande inimigo, inquisidor de Aragão Nicolau Aymerich, que forjou a célebre bula de S. Gregório para o perder, considera--o um comerciante herege, e denuncia quinhentas proposições suas como heterodoxas.
Em contacto com os sarracenos vizinhos e com os vestígios que eles haveriam deixado nas Baleares, deixou Lúlio medrar em seu espírito o fervoroso desejo de converter os muçulmanos com uma nova cruzada.
Mas esta cruzada, em seu desejo, não era da cruz no punho das espadas mas de uma cruz ideal , de pregação inteligente e perseverante, de lógica e de paciência.
Em vão procurou interessar papas e cardeais e até reis, no seu sonhado empreendimento.
Desacompanhado de todo o auxílio, viajou por fim para Tunes.
Tinha então 56 anos e era esse o ano em que chegava à Europa Ocidental a confrangedora notícia da queda de Acre e do fim do estado cristão da Palestina.
Antes deste decisivo sucesso da sua vida, peregrinara a Santiago de Compostela, cursara e escola de Montpellier, depois dos estudos particulares em Palma e a uma solidão completa se votara por algum tempo, preparando-se para a sua cruzada.
Para conhecer o árabe, comprara um escravo sarraceno com quem estudou durante anos, e que por fim atentou contra a vida do amo.
Dotado de imaginação ardente, quis inventar um método novo de lógica, uma espécie de mecânica filosófica, com o auxílio da qual todos podiam dissertar com subtileza sobre qualquer matéria.
Ele mesmo veio a dar solução a quatro mil problemas postos, por meio do seu método, chamado « Ars Generalis Sive Magna», porventura a sua obra mais divulgada.
Como os árabes tinham tido o primado da ciência e da filosofia mediterrânicas, ele entendia que era com um cristianismo racional que poderia conquistá-los.
Estudou Averrois para o combater, sempre com um alvo missionário.
A chamada «doutrina lulliana», tendente a demonstrar pelo raciocínio a verdade dos dogmas cristãos, veio a ser renovada trezentos anos depois por Giordano Bruno.
Foi por meio de incríveis esforços que Lúlio conseguiu difundir na Europa a sua doutrina da fé provada, e se é certo que veio a ser publicamente ensinada em 1298, graças ao patrocínio de Jaime II e Filipe o Belo, contudo não foi apreciada devidamente durante três séculos.
As vistas do filósofo estavam demasiadamente acima do tempo em que viveu e não poderia provocar mais do que uma vã e fútil admiração.
Em Tunes conseguiu convencer alguns islamitas reputados e muitos outros do povo, que receberam o baptismo cristão; mas um zeloso imame aconselhou às autoridades o seu encarceramento e morte, em razão do perigo que ele representava.
Depois de algum tempo, foi-lhe comutada a pena de morte na de banimento.
Não lhe sofreu o ânimo os seus conversos, e voltou de novo a Tunes, mas a 30-6-1315, em Bugia, na Argélia, morreu apedrejado.
Figura desconcertante, assim o consideram alguns críticos, e assim serão forçados a considerá-lo os leitores das numerosas biografias e críticas que lhe têm sido feitas.
Auxiliarão, contudo, no dédalo das considerações a fazer, estes dois factos: que são considerados espúrios, com forte motivo, os trabalhos de alquimia e de cabala que lhe foram atribuídos e estão coleccionados com as suas obras; e que as ideias de Pedro Venerabilis (morto em 1157), advogadas por Lúlio e adoptadas pela primeira vez por ele na missão prática, o levaram e especializar-se não só na língua como no pensamento árabe, o que não se poderia dar sem alguma influência verificada desse pensamento na sua obra.
«Charlatão vádio» lhe chamou Bacon com extremo rigor e injustiça.
Mesmo que haja juntado as ciências ocultas, a cabala, a magia, a alquimia aos seus estudos sérios, ainda se poderá perguntar a que título e como as estudou.
A Igreja de Roma tem oscilado entre condená-lo como heterodoxo e honrá-lo como mártir , não podendo desdenhar o testemunho, que a história lhe dá, de precursor das missões modernas.
O Dr. Joaquim de Carvalho reconhece uma rápida influência de Lúlio no « Leal Conselheiro» de D. Duarte.
O escultor catalão João Samsó erigiu-lhe uma estátua cheia de nobreza e as suas cinzas, recolhidas em Bugia e transportadas, repousam num sarcófago historiado na sua cidade natal.
As suas obras foram publicadas em Mogúncia, em dez volumes, de 1722 a 42.
Por meio da alquimia, Lúlio preparou, pela primeira vez, o álcool anidro, o carbonato de potássio a partir do creme de tártaro, descreveu a água régia, etc.

LULISMO - É assim designado, não tanto o projecto de Raimundo Lull relativo a uma ciência universal - que interessou pensadores da craveira de Nicolau de Cusa, Pico, Bruno, Descartes, Bacon, Gassendi e Leibniz - mas o germe de uma «escola» que , logo após a morte de Raimundo Lull, lançou raízes em Valência, Barcelona e Maiorca, de onde irradiou para Castela, Portugal e Itália.
Pedro Dagui é a figura central deste Lulismo catalão pré-renascentista.
Simultaneamente surge em Paris, em redor do fundo ms. legado por Lull à Cartuxa de Vauvert e dirigido por T. Le Myésier, um pequeno núcleo lulista.
Com este se virá a relacionar, provavelmente através do flamengo H. de Campo, o Lulismo de Nicolau de Cusa.
Em pleno renascimento, Lefèbvre d´Étape dá nova vida, em Paris, ao Lulismo de carácter religioso e místico, ao passo que na Alemanha, A. de Nettesheim e Paracelso cultivam o Lulismo, respectivamente, lógico-enciclopédico e médico-alquimista.
Na confluência deste Lulismo europeu renascentista surge o Lulismo de Giordano Bruno e, posteriormente, o do humanista protestante alemão J.E. Alsted.
Entretanto, em Espanha, sob a protecção de Cisneros e Filipe II, a escola lulista tinha-se difundido com fortes raízes.
Surgem cátedras lulistas em várias universidades, principalmente em Maiorca.
N. de Pachs, J. L. Vileta e F. Marzal são os mestres mais influentes na época. À margem da actividade escolar, o Lulismo influi em figuras que rodeiam Filipe II, como P. de Guevara e J. de Herrera.
No século XVII, os jesuítas S. Izquierdo e A. Kirchner reelaboram um Lulismo em sentido enciclopédico.
Em ambos se inspirará a «Dissertatio Art Combinatória» de Leibnitz.
Ainda no século XVIII se encontram duas notáveis aflorações de Lulismo, uma em Mogúncia, graças a J. Salsinger, autor de uma edição monumental das obras de Lull, e outra em Maiorca, com figuras como o jesuíta J. Costurer e, sobretudo, o cistercience A. R. Pascual.
A par do Lulismo autêntico, encontra-se um Lulismo espúrio, centrado no «Testamentum» e noutros escritos pseudo-lulianos de alquimia, e até uma corrente antilulista, cujos primeiros e principais representantes são, na Catalunha, o inquisidor N. Eymerich, e , em Paris, o chanceler Gerson. Desde o fim do século XIX renasceu, em Espanha e fora dela, o estudo de Raimundo Lull, mas agora ao nível da história, sem pretender construir uma corrente de pensamento.

LULISMO EM PORTUGAL - Foi persistente a influência do Lulismo em Portugal, atingindo mesmo certa irradiação (séculos XV-XVI), desenvolvendo-se a produção literária, de valor desigual, em três direcções ou tendências (seguindo a classificação proposta por Carreras Artau):
A) Polémico-racionalista, de que ficaram numerosos testemunhos da disputa religiosa de cristãos contra judeus e muçulmanos, sendo obra capital o «Livro da Corte Enperial» (século XV), tendo Lúlio servido não só de inspiração quanto à temática e finalidade apologética como ainda no directo aproveitamento textual( Cruz Pontes).
B) Lógico-enciclopedista, atestada por vastas compilações, em códices medievais pertencentes às bibliotecas monásticas de Sta Cruz de Coimbra e de Sta Maria de Alcobaça.
Denotando persistência de preocupações lulianas até ao século seguinte, ficou-nos o incunábulo gótico «Ars inventiva veritatis cum Commento»(Valência,1555).
Em 1431, documenta-se a presença em Lisboa de um Mestre Adrião, que ensinava porventura em escola privada, a arte luliana: e será a esses sequazes de Lúlio que D. Duarte, no «Leal Conselheiro» alude, censurando neles a intenção demonstrativa nas matérias do Dogma, pela sua racionalização, muito embora, no domínio da Moral, o monarca cite como autoridade e aceite, em vários passos da obra, teses lulistas.
Registam-se ainda influências lulistas, mais ou menos esparsas, em outra obras da época, como a «Virtuosa Bemfeitoria» e o « Bosque Deleitoso».
C) Mística,feição que tem levado a atribuir papel relevante à formação da mundividência colectiva portuguesa, e que explica, senão contribuiu, para originar a Expansão.
Segundo um dos mais destacados defensores desta tese, Jaime Cortesão, os franciscanos teriam sido «os principais criadores da mística dos descobrimentos» e, por sua vez , como intérprete dos ideais seráficos, Lull é considerado « o tipo porventura mais perfeito do tipo de proselitismo franciscano».
Com efeito, o Maiorquino defendeu o apostolado missionário com vista à conversão dos gentios, e daí a apologia do estudo das línguas orientais, sobretudo do árabe, a conquista dos estados muçulmanos desde Ceuta até ao Levante , chegando a sugerir, segundo Beazley, o plano, de circum-navegar a África para alcançar a Índia.
Sob este aspecto, as preocupações da época pela cartografia, astrologia, astronomia e náutica levavam a descobrir novos motivos de interesse no «opus»luliano, ou em escritos apócrifos (pseudo-lulismo)de carácter esotérico e cabalístico.
No Renascimento, o Lulismo traduz-se na terminologia e na feição de teologia racionalizante de algumas obras portuguesas, denotando por vezes a nova ambiência pré-reformista, como no caso de Gil Vicente( A.J. Saraiva)ou, com matizes humanistas, na «Ropica Pnefma» de João de Barros. ■

ACTUALIDADE DE RAMON LULL-I





1-5-lull-md-1-5; sexta-feira, 7 de Novembro de 2003
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3730 caracteres enln-3;livros;ideias; diário de um leitor

ACTUALIDADE DE RAMON LLULL : A VIDA DE UMA VIDA

Nascido provavelmente em 1232 e provavelmente falecido em 1315, foram, pelo menos, 83 anos de energia invencível, que não deixaram de aborrecer solenemente as autoridades inquisitoriais da época e continuam perturbando os vindouros. A própria Igreja, que o classificou de Doutor Iluminado, em devido tempo e latim, e lhe deu um dia no calendário cristão - 28 de Março - não soube ainda muito bem como digerir este santo e mártir/, que dominou, com a ajuda de Deus ou do Demónio, a ciência da época, criou quase ex-nihilo a língua literária catalã, deixou rastro premonitório nas terras do levante islâmico, foi delapidado por muçulmanos, tentou o primeiro «aggiornamento» entre árabes e cristãos, e permanece ainda hoje tão actual, tão enigmático e tão inviolável a biógrafos como o foi sempre.
Quando se julgava que toda a Europa dormia o sono dos justos, na letargia da passividade, encontrava-se em ebulição este vulcão chamado Ramón Llull e que ainda hoje não está extinto. O tempo «apagado» de obscurantismo católico, que foi a contemporaneidade de Llull, torna-o ainda mais luminoso.
Como quem já previa a crise mundial do momento, o livro(*) sobre o cavaleiro e eremita maiorquino é exemplar de oportunidade: o mesmo homem que pregou a vocação universalista do cristianismo e a cruzada para a reconquista das terras santas, o que fez missão de converter os infiéis, ficou - paradoxalmente? - na história como o grande divulgador da cultura muçulmana e introdutor dos estudos árabes no Ocidente. Para isso ele aprendeu a língua árabe, ao que consta com um seu criado desta nacionalidade. Como acentua a autora, «esta é apenas uma das ironias do seu destino paradoxal».
A não luxuosa mas preciosa edição, lançada pela Dom Quixote, vem enriquecida pela tradução da «Vida Coetânea», um dos raros indícios biográficos que existem sobre o Doutor Iluminado. Em 1913, Ramón Lull conta a sua vida, presumivelmente aos amigos da Cartuxa de Vauvert, narrativa que mão anónima redigiu, provavelmente a dele próprio. Uma tábua sincrónica ajuda a balizar, com nomes e datas, a vida sem balizas de Ramón.
O livro de Luísa Costa Gomes é também um incitamento ao estudo do «sistema lulliano», que, sob a designação de «lullismo», conseguiu provocar uma polémica ainda hoje em aberto: por mais longe que se vá no desvendar da personalidade deste enigmático senhor - e poucos terão ido tão longe na ousadia de a «imaginar», como o faz Luísa Costa Gomes - muitos são os escaninhos e meandros que permanecem indecifráveis. Não só pelo número impressionante de obras que deixou, - alguns apontam para quatrocentos títulos - não só pela vastidão de matérias e ciências que abrangeu, mas pelo carácter paradoxal que domina o seu itinerário de «extraterrestre» e «mutante» antes do tempo. Algumas facetas deste homem ficariam sempre por averiguar: em «Vida de Ramón», parece ter sido a personalidade do alquimista, negada posteriormente pela Inquisição, aquela que a autora também preferiu não enfatizar. Mas, curiosamente, era no domínio do «oculto» que o processo seguido por esta biografia «imaginada» poderia operar com maior legitimidade. Não estranhemos, aliás, que ela ou alguém volte a pegar em Ramón, para reimaginar algumas das várias vidas e personalidades que nele parece terem coexistido e que nunca ficarão suficientemente tratadas, por mais que exaustivamente alguém as trate.
Também nesse aspecto, esta é uma «biografia aberta», o primeiro passo de um caminho, o primeiro avanço numa pesquisa, numa estrada que conduz ao infinito. Mérito de Luísa Costa Gomes é ter visto que ao agarrar Ramón era a ponta da meada que agarrava.
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«VIDA DE RAMÓN» CONTADA POR LUÍSA COSTA GOMES

ACTUALIDADE DE UMA HERESIA

«Será este romance de Ramón Llull um dos melhores do último milénio?» A pergunta de Luísa Costa Gomes, com ironia e tudo, tem razão de ser, agora que foi lançado, pelas Publicações Dom Quixote, o livro de que durante muitos meses se falou com expectativa e curiosidade. A sessão realizou-se em Lisboa, no Hotel Embaixador, e a apresentação esteve a cargo de Abel Barros Baptista. Não só pela reconhecida qualidade da autora, ficcionista de gema, mas pela vida mais aventurosa, fantástica e romanesca que alguém podia inventar e que foi a do catalão Ramón Llull (ou Lúlio, aportuguesado), estamos perante um verdadeiramento acontecimento cultural. Ou, se quiserem e mais correctamente, contracultural, já que tudo, na vida e principalmente na obra deste místico medieval, cruzado e cavaleiro, aponta para a heresia e para a subversão do que o Ocidente cultiva como sua escala de valores.
Nascido provavelmente em 1232 e provavelmente falecido em 1315, foram, pelo menos, 83 anos de energia invencível, que não deixaram de aborrecer solenemente as autoridades inquisitoriais da época e continuam perturbando os vindouros. A própria Igreja, que o classificou de Doutor Iluminado, em devido tempo e latim, e lhe deu um dia no calendário cristão - 28 de Março - não soube ainda muito bem como digerir este santo e mártir, que dominou, com a ajuda de Deus ou do Demónio, a ciência da época, criou quase ex-nihilo a língua literária catalã, deixou rastro premonitório nas terras do levante islâmico, foi delapidado por muçulmanos, tentou o primeiro «aggiornamento» entre árabes e cristãos, e permanece ainda hoje tão actual, tão enigmático e tão inviolável a biógrafos como o foi sempre.

A vida de uma vida

Não admira que Ramón fosse para Luísa Costa Gomes a vida da vida dela. A escritora, que já se mostrara, como ficcionista, muito próxima das experiências-limite, dos grandes heresiarcas como Camilo, revela-se, rendida a Ramón, muito apegada também ao «pathos» de humanidade que da literatura transpira e vice-versa. Quem quer que tivesse, como ela, feito um dia tamanha descoberta, no acaso das bibliotecas, nunca mais a largaria.
Se nos ativermos ao que de mais superficial e imediato se pode notar neste livro, poderemos dizer que se trata de uma «biografia romanceada do filósofo, místico e missionário maiorquino do século XIII». Mas lendo um pouco mais, logo se verá que aqui apenas começa uma leitura infindável do infinito.
Quando se julgava que toda a Europa dormia o sono dos justos, na letargia da passividade, encontrava-se em ebulição este vulcão chamado Ramón Llull e que ainda hoje não está extinto. O tempo «apagado» de obscurantismo católico, que foi a contemporaneidade de Llull, torna-o ainda mais luminoso. O livro de Luisa Costa Gomes, evitando o flash fácil, aprofunda, rodeia, reune peças do puzzle, o que, acentuando o fascínio da ficção, dota esta obra de um arcabouço erudito de espantar.
Aliás os agradecimentos que figuram na página final, nomeadamente a bibliotecas portuguesas e de Maiorca, atestam que a autora aproveitou bem a «bolsa de criação artística» que lhe foi propincuada, entre 1989 e 1990, pela Secretaria de Estado da Cultura, já que os anos sabáticos para os criadores do espírito ainda é moda desconhecida em Portugal, onde os hábitos civilizados parece só entrarem quando nisso há interesse pecuniário.

ACTUALIDADE DE UMA VIDA

O místico Ramón vê-se retratado, talvez pela primeira vez na bibliografia mundial, por um biógrafo à sua altura. A descrição, por exemplo, da difícil «iluminação» que o monge teve, resistindo, enquanto pode, ao envolvimento divino, é um dos muitos pontos altos deste «romance biográfico» que nos transporta, sem dificuldade, ao mundo simultaneamente realista e fantástico de um dos maiores monstros que já honraram e ilustraram a espécie humana.
Como quem previa a crise mundial do momento, o livro sobre o cavaleiro e eremita maiorquino é exemplar de oportunidade: o mesmo homem que pregou a vocação universalista do cristianismo e a cruzada para a reconquista das terras santas, o que fez missão de converter os infiéis, ficou - paradoxalmente? - na história como o grande divulgador da cultura muçulmana e introdutor dos estudos árabes no Ocidente. Para isso ele aprendeu a língua árabe, ao que consta com um seu criado desta nacionalidade. Como acentua a autora, «esta é apenas uma das ironias do seu destino paradoxal».
A não luxuosa mas preciosa edição, agora lançada pela Dom Quixote, vem enriquecida pela tradução da «Vida Coetânea», um dos raros percursos biográficos que existem sobre o Doutor Iluminado. Em 1913, Ramon Llull conta a sua vida, presumivelmente aos amigos da Cartuxa de Vauvert, narrativa que mão anónima redigiu, talvez a dele próprio. Uma tábua sincrónica ajuda a balizar, com nomes e datas, a vida sem balizas de Ramón.
O livro de Luísa Costa Gomes é também um incitamento ao estudo do «sistema llulliano», que, sob a designação de «llullismo», conseguiu provocar uma polémica ainda hoje em aberto: por mais longe que se vá no desvendar da personalidade deste enigmático senhor - e poucos terão ido tão longe na ousadia de a «imaginar», como o faz Luísa Costa Gomes - muitos são os escaninhos e meandros que permanecem indecifráveis. Não só pelo número impressionante de obras que deixou, - alguns apontam para quatrocentos títulos - não só pela vastidão de matérias e ciências que abrangeu, mas pelo carácter paradoxal que domina o seu itinerário de «extraterrestre» e «mutante» antes do tempo. Algumas facetas deste homem ficariam sempre por averiguar: em «Vida de Ramón», parece ter sido a personalidade do alquimista, negada posteriormente pela Inquisição, aquela que a autora também preferiu não enfatizar. Mas, curiosamente, era no domínio do «oculto» que o processo seguido por esta biografia «imaginada» poderia operar com maior legitimidade. Não estranhemos, aliás, que ela ou alguém volte a pegar em Ramon, para reimaginar algumas das várias vidas e personalidades que nele parece terem coexistido e que nunca ficarão suficientemente tratadas, por mais que exaustivamente alguém as trate.

Também nesse aspecto, esta é uma «biografia aberta», o primeiro passo de um caminho, o primeiro avanço numa pesquisa, numa estrada que conduz ao infinito. Mérito de Luísa Costa Gomes é ter visto que, ao agarrar Ramón, era a ponta da grande meada que agarrava.

A ESFEROGRÁFICA DE RAMON LLULL (*)

Os místicos são como as cerejas. Pega-se numa e vem o universo todo atrás.
O curioso da fita é que, puxando por esta ponta da meada chamada Llull, a páginas tantas temos a genealogia dos deuses quase completa.
Puxando por Llull, vêm atrás coisas como:
-o sufismo ibérico, a mística do mito mediterrânico, descendente directo da Atlântida (Vide continente Mu e o Platão do «Timeu»);
-a experiência céltica e druídica, em directa conexão com os primeiros deuses que povoaram a terra ( e que se foram embora, espavoridos, logo que verificaram a ascenção do macaco chamado antropóide);
- O dilúvio que submergiu a civilização, deixando apenas alguns restos, peças de um «puzzle» que até hoje ainda não foi totalmente reconstruído;
- No campo da ideologia, Llull foi o autor do primeiro «aggiornamento» entre as duas religiões mais poderosas do Ocidente, cristianismo e islamismo ( mas falhou, como o Ocidente falharia);
- No campo da ética, serviu-se do «inimigo» (Demónio) para servir Deus, dialéctica que o Ocidente, feito parvo, nunca mais soube aproveitar;
- No campo dos costumes e face aos tabus da época( quase iguais aos de hoje), pôs a Igreja e a Corte em polvorosa, sem saberem onde esconder os abusos de alcova e onde leiloar a hipocrisia reinante, ontem como hoje reinante);
- No campo da nacionalidade mais vivaz da Península Ibérica - a identidade nacional catalã - criou «apenas» a língua literária catalã;
enfim, é deste monstrozinho sagrado que agora, no ano da graça de 1990, sete séculos depois, são traduzidas as primeiras páginas para a doce língua lusa...
Se tudo está certo nas prioridades editoriais, então é Ramon Llull quem está profundamente errado, nunca deveria ter nascido e muito menos ter escrito as tais quatrocentas obras de que o acusam.
Quando a Catalunha for tão independente como a Lituânia no seio da União das Repúblicas Capitalistas do Mundo, talvez se perceba que há certos autores, como Llull, que para lá da morte justa que tiveram (empalado vivo), a quem nunca deveria ter sido dada (nem vendida) uma esferográfica e uma folha de papel.
Setecentos anos depois, ainda andam a fazer estragos e a abrir brechas no Establishment que, no entanto e apesar das brechas, continua de pedra e cal.
Estes místicos da Idade Média, da barbaresca Idade Média, são mesmo fogo.
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(*) «Livro do Amigo e do Amado», de Ramon Llull, Ed. Cotovia
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http://www.bartleby.com/65/lu/Lull-Ram.html


http://www.geocities.com/athens/forum/5284/portal■

L. PAUWELS E J. BERGIER: «O HOMEM ETERNO»-I





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O DESPERTAR DOS MÁGICOS – OUTRA PERSPECTIVA SOBRE UM DEBATE DE MEIO SÉCULO(*)

Alguns movimentos, centrados na Europa à volta da primeira guerra mundial, exerceram influência mais ou menos duradoura na inteligência ou mentalidade dos principais responsáveis pela história feita e desfeita. Fraca influência, é certo, pois os debates de ordem intelectual deixam sempre a perder, em colorido e sangue derramado, às guerras armadas; mas, de qualquer maneira, debate que interessa ao homem do nosso tempo e mundo, mergulhado nas suas próprias contradições e procurando superá-las.

Primeiro o futurismo, que desaguou na pintura e na baixa política, depois o dadaísmo e o micróbio devorador que inoculou, depois o surrealismo - que sustentou durante 40 anos a vanguarda do debate - quer se considerem sub-produtos históricos ou contributos para a marcha do progresso humano, todos esses movimentos contribuíram para modificar a óptica com que o homem se examina a si próprio e desenhar-lhe simultaneamente a fisionomia dilacerada, ambígua, assimétrica.
O clássico e o moderno, o académico e o antiacadémico, o retrógrado e o revolucionário - eis os termos antitéticos mais comuns em que o debate se formula. Depois do surrealismo, nenhum movimento parecia com violência capaz de o eclipsar, ainda que momentaneamente. O Despertar dos Mágicos (1) - manifesto do «realismo fantástico», posto à prova em 15 volumes publicados (até agora, Abril de 1964) da revista Planète, dirigida pelos autores do livro, Louis Pauwels e Jacques Bergier - embora se diga inspirado no surrealismo parece a primeira tentativa lograda para desviar - resta saber se para trás, se para diante - os postulados fundamentais deste movimento.
Não compete ao observador imparcial tomar partido por nenhum dos «ismos» mas apenas tentar saber o que pretende cada um deles. Registe-se, pois, o que nas linhas gerais caracteriza o «realismo fantástico», já designado também, em número da Planète, «humanismo evolucionário», vertigem terminológica que não deve assustar-nos nem distrair-nos do fundamental.
Na opinião dos autores, o debate sofre de um defeito-base: ter sido conduzido, regra geral, por pessoas de exclusiva formação literária, ignorantes ou desatentas do que tem acontecido, de há meio século para cá, no campo da ciência e da técnica. A revolução operada nos domínios da física e da matemática, por exemplo, faria empalidecer o que de pretensamente revolucionário tem aparecido no domínio das letras e das artes, incluindo nestas a filosofia... No dizer dos autores, o existencialismo seria, entre outras coisas, simplesmente anacrónico, e nada o justificava numa época em que, depois de alteradas as estruturas da matéria, se prevê, para muito breve, uma alteração ainda mais radical, mais «fantástica» nas estruturas mentais.

UM DESLUMBRADO PANORAMA

Os autores confessam-se maravilhados perante a revolução científica e técnica, e apresentam-nos um deslumbrante, um deslumbrado panorama, parecendo esquecer tudo o que ao progresso técnico se fica devendo em matéria de abjecção e reaviltamento do homem. Por muito «contemporâneos do futuro» que os autores se queiram e nos queiram, por muito que estejamos concordes em que a maior parte das filosofias em uso são anacrónicas, não nos podemos desligar, existencial e historicamente, de um passado ainda presente, nem vemos como é possível ignorar a história e o homem historicamente situado; a não ser por um passe de «mágica», como é possível eliminar duas dimensões do tempo - passado e presente - levando apenas em conta uma terceira - o futuro? Rejeitando os humanismo clássicos e contemporâneos - como parecem fazer os autores - creio que fatalmente se cai no vício desses humanismos que é o de, baseados numa ideia-imagem do futuro - idealizando-a - sacrificarem os homens reais e concretos do presente que em dor e sofrimento se vai fazendo, com a lentidão das torturas, passado.
Rejeitando os humanismos, porque - segundo os nossos autores - eles já não servem ao homem «transmudado» do futuro, - está-se inevitavelmente a engendrar (a necessidade de) outro humanismo, visto que, não existindo o homem transmudado (já, aqui e agora, mas no futuro, apenas no futuro), existe hiato e a necessidade de preencher com promessas, teorias, hinos humanistas, esse hiato, afirmando-se então, necessariamente, um factor comum a todos os humanismos: a ideia-crença no futuro, a ideia-imagem de um futuro. Para o homem historicamente situado, não é possível anular o tempo; anular o tempo é supor idealisticamente um homem transhistórico, a-histórico ou cósmico, o que, a ser possível, não o será nunca por via de nenhum humanismo mas exactamente do que os humanismos excluem: o místico, o mítico, o mágico.
Ora se no dizer dos autores as hipóteses mística, mítica e mágica também estão ultrapassadas, a dificuldade persiste: saber em que humanismo vai encarreirar este «realismo fantástico», ou que novo humanismo inventará.
Excluída a hipótese em que o indivíduo se basta e «resolve» a si próprio (ou julga resolver, e isso é outra questão...) o hiato entre homem-indivíduo e homem-espécie subsiste e com ele o hiato entre necessidade e liberdade, hoje e amanhã, tempo e eternidade, situação cósmica e situação histórica, consciência individual e consciência-da-espécie, o que é e o que vai ser, o que há e o que vai haver, etc., etc. Enquanto este hiato existir, a necessidade de um humanismo subsistirá também. E com ela a necessidade de uma ideia-crença (mais crença que ideia, mais fé que razão, mais mística que lógica) do futuro; aliás, é pelo tipo de fé adoptado e pela imagem do futuro idealizada que os humanismos diferem e se distinguem.
Quando for possível a síntese do espírito poético e do espírito científico, assistiremos, de facto, a uma solução nova, a uma solução moderna. À primeira vista O Despertar dos Mágicos pretenderia realizar essa síntese e obter essa solução, mas depressa acaba por desistir, optando pela exclusividade da ciência contra a poesia, da técnica contra a magia, da razão contra a mística, da lógica contra o mito.
Ora todos os humanismos que pressuponham a exclusividade da razão (incluindo este «humanismo evolucionário») contradizem-se na medida em que, excluindo as soluções por via individual (mítica, mágica, mística) se vêem contudo na contingência de propor uma fé e uma imagem-crença que accione essa fé, imagem que só poderá ser dada pela imaginação criadora ou espírito poético e fé que só pode inspirar-se na mística de todos os tempos e lugares.
Tentando os autores, por exemplo, reabilitar certos aspectos da alquimia tradicional, acabam por adaptá-los e por lhes sobrepor a ciência química moderna. O espírito mágico ou poético não teria uma função autónoma, soberana e liberadora na marcha do progresso humano, mas sería, segundo a tese positivista clássica, um estádio primitivo e ultrapassado desse progresso.
Deve notar-se que desta autonomia do espírito poético fez o surrealismo um dos seus dados fundamentais.
No capítulo sobre o nazismo, chega a insinuar-se o potencial destruidor da iniciativa mágica. Não só se ignora, nesse capítulo, a distinção entre magia branca e negra (se é que alguma delas foi, como os autores pretendem, praticada pelos chefes nazis, inspirando o nacional-socialismo) como se repete, uma vez mais, a clássica confusão entre o plano da acção de raio ou competência meramente individual (acção poética, lato senso) e o plano da acção que compete à poderosa máquina que é um estado totalitário moderno, equipado com todo o arsenal destruidor, este certamente de origem técnica e não mágica...
Nestes pontos-chave o livro pouco adianta, ainda que apresente sugestões de interesse. No fundo, trata-se talvez de uma apologia mal disfarçada da ciência e da técnica, à boa maneira iluminista, a que se acrescentam uns circuitos aparentemente mais ousados por campos que técnicos e homens de ciência geralmente subestimam ou simplesmente ignoram.
«O sábio» - escrevem os autores à página 60 da tradução portuguesa - «é a personagem chave da aventura em que a humanidade está empenhada».
À maneira de H.G.Wells, os autores fazem do sábio a figura mártir da nossa civilização, esquecendo que o sábio, dentro da lógica ou inércia da cultura ocidental, não pode considerar-se inocente do que faz o político; e que colabora na autodestruição de uma «civilização à prova»; e que está dentro dela, nada podendo contra ela; e que, talvez acuse o político e queira lavar dai as suas mãos, mas não está inocente.
O sábio não poderia ser de modo nenhum a personagem chave da aventura em que se encontra comprometida a humanidade, porque nunca terá, enquanto sábio, autonomia suficiente relativamente à máquina ou engrenagem cultural que ajuda a accionar, a pôr em movimento e a autoflagelar-se, nem poderá dar uma ideia ou imagem aceitável, suficientemente complexa, clara, precisa e eficaz do futuro, nem criar a crença ou fé que a dinamize.
O «futuro» que em O Despertar dos Mágicos se trata é, apesar de tudo, mais honesto e mais promissor do que tudo ou quase tudo o que, clássicos e modernos, incluindo as science-fiction, (muito elogiadas pelos autores) nos vão dando como exegese do futuro, conhecimento do futuro, antecipação do futuro. Entre o «industrial do futuro» e o «visionário do futuro», um terceiro homem terá de aparecer, capaz de não colaborar nem com um nem com outro e com ambos ao mesmo tempo.
Resta perguntar até que ponto «O Despertar dos Mágicos» colabora, a pretexto de integrar na mentalidade humanística uma mentalidade mítica, no mito contemporâneo do Progresso e nos que nele se apoiam: Humanidade, Raça, Pátria, Partido, Estado, Ciência, Razão, etc. E até que ponto o «realismo fantástico», esquecendo a realidade se faz cúmplice do espírito de abstracção do mais descabelado idealismo, tal como todos os humanismos que, proclamando a grandeza e glória de uma Ideia - o Homem, a Humanidade - vão escamoteando a miséria e abjecção das realidades vivas que são os homens reais e vivos. O Homem, esse infinito é o título da terceira e última parte do livro: ora exactamente por causa desse «infinito» é que no finito se tem feito até agora a infelicidade dos homens finitos e é à grandeza do Homem com H maiúsculo que todos os tiranos vão buscar alento para garantir discricionariamente o poder sobre os homens, que acabam sempre por considerar nada grandiosos em si mesmos, isto é, individualmente. Afirmar que o Homem — a espécie, a Humanidade — é grande, é um infinito, pode servir para santificar e legitimar toda a classe de sacrifícios impostos aos homens de hoje, alegando-se com argumentos deste tipo: «é a espécie que importa, sacrifique-se ou faça-se desaparecer o indivíduo, palavras alarmantes mas muito parecidas às que os autores em dado ponto escrevem: «Mas a noção de indivíduo talvez seja uma noção pueril, e a tradição, com as suas lendas, talvez se exprimisse em nome do conjunto humano, em nome do «fenómeno humano...» (pág. 489 da tradução portuguesa). Ou: «Com certeza, o Eu psicológico, aquilo a que chamamos personalidade, estaria em vias de desaparecer. Mas não cremos que essa «personalidade, seja a última riqueza do homem. Neste ponto, creio que somos religiosos. É o signo da nossa época, o facto de todas as observações activas se rematarem numa visão de transcendência. Não, a personalidade não é a última riqueza do homem.» (pág. 541).
Resta perguntar ainda até que ponto estas quinhentas páginas sem dúvida apaixonantes, contribuirão para lançar a ponte sobre o nada, superar o niilismo, desabismar o homem do homem e a que ponto a esperança deste livro deixa de ser a fácil esperança de todos os humanismos (a esperança de todos os falsos profetas, optimistas e mistificadores que à esperação ou expectativa dos homens, à angústia, à fome, à solidão, ao desamparo e à velhice, à pobreza, à doença e à guerra, ao tédio quotidiano e ao quotidiano sofrimento de mil e uma alienações, ao terror e horror respondem com promessas hipócritas, hinos retóricos, «amanhãs que cantam», etc., etc.) para ser simplesmente o respeito pelo homem, quer ele tenha ou não saída e solução, a «difícil esperança» que, apesar de tudo e contra tudo, é ainda amor, a única saída para o que porventura saída não tem.
Resta perguntar, enfim, se entre um abismo e outro abismo — o mágico que transplantado do universo do Individual para o monstro colectivo do Estado pode conduzir, pela anulação da ideia do futuro, às magias totalitárias, e o científico, que pela ideia do futuro, exclusivamente racionalista, conduz os irracionalismos políticos onde muito bem entenderem — resta saber se, entre Cila e Carlbdes, entre um e ou perigo, o livro se manteve ao menos seguro, sem naufragar em nenhum dos abismos. E se dele não teremos a dizer que é mais um livro de esperança para desespero dos homens.
(1) - - - -
(*) Este texto de Afonso Cautela foi publicado no semanário «Jornal de Letras e Artes», 1964
(1) «O despertar dos Mágicos» de Louis Pauwels e Jacques Bergier - Ed. Bertrand, Lisboa, 1964 - trad. de Gina de Freitas.

planète-enc-bg> quinta-feira, 5 de Setembro de 2002


BIBLIOTECA DO GATO

ENCICLOPÉDIA «PLANÈTE», ED. PLANÈTE, PARIS

Aimé Michel e Jean-Paul Clébert – Histoire et Guide de la France Secrète – Pref de Aimé Michel
André de Cayeux – Trois Milliards d’Année de Vie – Pref de Aimé Michel
André Mahé - Les Médecines Différents – Pref de Jacques Mousseau
Arthur C. Clarke – Profil du Futur – Pref de Henri Prat
François Derrey – La Terre, Cette Inconnue – Pref de Jean Lombard
Henri Prat – La Métamporphose Explosive de l’Humanité – Pref de André de Cayeux
Jacques Bergier - Nos Pouvoirs Inconnus – Les Mystères de la Psychologie – Pref de Rémy Chauvin
Jacques Graven – La Pensée non Humaine – Pref de Jacques Lecomte
Julian Huxley e outros – Le Dossier de l’Heredité – Pref do doutor Jacques Ménetrier
Michel Gauquelin – L’Astrologie Devant la Science – Pref de Aimé Michel –
René Alleau – Les Societés Secrètes – Int de Louis Pauwels e Jacques Bergier
Robert Tocquet – Cycles et Rythmes – Pref de Paul Alexandre
Robert Tocquet – Le Bilan du Surnaturel – Pref do doutor Martiny
Titus Burckhardt - L’Alchimie , Science et Sagesse – Pref de Jacques Bergier
William Mackenzie – Les Grandes Aventures Spirituelles – Pref de Raymond de Becker

ENCICLOPÉDIA HORIZONTE – ED. PLAZA & JANÈS, BARCELONA, 1972

George Langelaan - Los Hechos Condenados – Prol de Jacques Bergier
Raymond de Becker – La Psicologia de las Profundidades
Jacques Graven – El Pensamiento no Humano – Pref de Jacques Lecomte
Nestor Albessard – El Origen de la Humanidad – Pref de Jacques Bergier
Jacques Graven – El Hombre Y el Animal – Prol de Rémy Chauvin
André de Cayeux – Tres Mil Millones de Años de Vida – Pref de Aimé Michel
Charles-Noel Martin – El Cosmos Y La Vida – Int de Antonio Ribera

«PLANÈTE» E PENSAMENTO PLANETÁRIO-II

planète-8> o movimento das ideias - notícias do futuro

«PLANÈTE» E OS COMETAS DE CAUDA... (*)

A revista «Planète», que se edita em três línguas (francês, italiano, espanhol), e em Janeiro de 1955 atingia a tiragem de 500 mil exemplares (só para a Europa, edição em francês), tem conhecido o prestígio intelectual que merecia e o triunfo comercial que secretamente ambicionava. Um pouco por motivos intelectuais, um pouco por dor de cotovelo, um pouco também porque ninguém está isento de culpas e críticas, a equipa «Planète» ao mesmo tempo que foi criticada com aspereza pelos surrealistas, não agradou igualmente às colunas racionalistas, que, após alguns meses de prudente expectativa, desencadearam uma feroz ofensiva.
A operação anti-«Planète» continua mas a equipa não mostra grande perturbação, antes pelo contrário: continua a pôr em prática, também através de livros luxuosos, graficamente magníficos, um programa mais pretensioso que ambicioso, programa que só na aparência e de início ameaçava subverter interesses criados.
Com pouco por onde escolher, foi este possivelmente um dos factores que determinaram a sua explosiva popularidade. A maioria lançou-se na «grande aventura», à cadência de 6 francos por bimestre, o que para o francês médio seria módica obrigação contraída para em troca rejuvenescer o espírito, actualizar os conhecimentos, rebrilhar de erudição.
Quem não havia de se tentar?
Fora da França. também. E a tiragem subiu em vertical, depois de os primeiros oito números da revista se terem esgotado. Aumentaram as vendas, aumentaram os lucros, e em pouco mais de um ano a equipa «Planète» transformou-se numa poderosa empresa editorial, obrigada a satisfazer, de dois em dois meses, as exigências ou ilusões de 500 mil leitores.
Em parte é este êxito fulgurante que os detractores lhe não perdoam. Mas a bola de neve já não pode parar e, entre vários fogos, oscilando à superfície das contradições sem as viver e sem as superar, «Planète» ficará apenas o estável monopólio que já é, o super-magazine que agrada a gregos e troianos, que adia e distrai, que espera e promete, quer os racionalistas façam fogo contra o seu irracionalismo, quer os irracionalistas a metralhem por causa do seu racionalismo.
«Planète» ilustra e resume a história do planeta e suas planetárias questiúnculas.
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(*) Este texto de Afonso Cautela foi publicado no jornal diário «República»(Lisboa) , em 24/8/1965

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O SURREALISMO E A REABILITAÇÃO DO FANTÁSTICO

Fenómeno relativamente moderno (apenas com vinte e tal séculos de existência), específico do pensamento racionalista, das regras lógicas, dos princípios imutáveis da razão, e mais tarde da civilização mecânica ou industrial, o homem cindido ou homem profano não compreende o «fantástico» e as obras que aparecem com o rótulo de «arte fantástica», constituem apenas, na sua maioria, produtos ou subprodutos de uma mentalidade atrofiada, sem inventiva nem poder imaginativo, devendo nós encarar a literatura que se designa de «fantástica», como um resíduo, hoje insignificante, de manifestações muito mais antigas, um dos poucos sinais que restam para avaliar, em certa época da história, as relações do homem com o universo, a sua participação e o seu enquadramento harmónico nas leis da Natureza.
Subjectivo e objectivo, visível e invisível, noite e dia, vigília e sonho, micro e macro-cosmos - eis algumas das antinomias que para os homens de certas épocas, lugares e mentalidades não existiam. Assim como não existia o «destino», nome que mais tarde seria dado apenas à ignorância das leis que regem o mundo dos homens em perfeita consonância com o mundo das coisas. Por desconhecerem essas leis, muitos classificam de loucuras tudo quanto foge à lógica comum, esquecendo-se de que rigorosas leis regem a imaginação criadora e rigorosos limites definem o fantástico.
Esquece o homem cindido, que sair da zona onde reinam soberanamente os princípios vectores da razão (identidade, causalidade e contradição), princípios directores do conhecimento científico, nem sempre significa cair no arbitrário puro, no delírio fantasista, no vácuo da irresponsabilidade. Não há dúvida que a linguagem dos símbolos se assemelha muito à linguagem dos loucos mas nem sempre um estado de alienação mental se resolve em obra de arte e nem sempre uma obra de arte «fantástica» resulta de um estado demencial. O único ponto de contacto da arte fantástica com a arte dos loucos, dos primitivos e das crianças, é afinal um ponto negativo: a sua arte, tal como a arte fantástica ou pensamento analógico, não conhece e não obedece à lógica comum dos adultos civilizados considerados normais e mentalmente sãos.
Após muitos séculos de descrença e descrédito que, pretensamente cépticos, apenas acrescentaram a uma superstição outra superstição (à superstição e dogmas da fé, a superstição e dogmas da razão), o fantástico na arte e na literatura viu-se a pouco e pouco reabilitado. Lentamente, muito lentamente, até os mais sisudos e de bom senso (sempre os últimos a ver as sensatas evidências) resolveram levar a sério o «fantástico». Talvez porque os surrealistas o andem a proclamar há quarenta e dois anos.Sabe-se hoje que ao homem nada é impossível e acreditar no fantástico não significa já acreditar em petas e anedotas de bruxa, mas acreditar n' «o homem, esse infinito», de que falam pessoas tão respeitáveis como o senhor Teilhard de Chardin.
Concluíram eles que a realidade hoje é que é fantástica. Comparadas ao que o homem já conseguiu e ainda pode conseguir, na exploração do mundo visível, nada significam já as mais ousadas ficções literárias. Júlio Verne viu-se ultrapassado em menos de um século pela realidade e as fantasias ou antecipações por ele formuladas parecem-nos hoje, de tão ingénuas, quase ridículas. Acreditar no fantástico é, assim, para muito boa gente, acreditar no progresso, na infinita capacidade de progresso do homem e de modo algum preconizar um retrocesso.
«Oh minha alma, não aspires à eternidade mas esgota o campo do possível!».
Este pensamento de Píndaro, que Camus escolheu para epígrafe do seu ensaio sobre O Mito de Sísifo, poderia constituir o lema de quantos perfilham a crença na evolução humana, os que se encontram na vanguarda de um «realismo fantástico» ou «humanismo evolucionário», os «contemporâneos do futuro», os que, parafraseando Novalis, afirmam: quanto mais fantástico mais real. Porque o conhecimento da realidade, conhecimento que caminha através de tantas dificuldadas e tacteios, nunca será completo nem esgotará toda a complexidade do universo sem ir além daquilo que nos dá o conhecimento positivo, científico, experimental. Operação de vanguarda do conhecimento racional, a hipótese ou intuição comanda todas as outras operações da investigação científica. A imaginação estimula e fecunda a inteligência.
Na verdade, há quarenta anos que os surrealistas batalham para conseguir esse objectivo, para desabismar o homem do homem, para efectivar um verdadeiro humanismo dialéctico, para reunificar o homem cindido ou dividido, para descobrir o ponto central onde todas as antinomias se fundem. E há quarenta anos também que eles reclamam a autonomia do imaginário, do pensamento analógico relativamente ao pensamento lógico, do simbólico frente ao realista. E há quarenta anos que eles afirmam que surrealidade é apenas e unicamente a realidade total do homem total, a realidade do homem não alienado, do indivíduo religado ao universo e às forças cósmicas, ele próprio uma força da Natureza; não sendo, portanto, possível nem desejável que se exclua do visível o invisível, do possível o impossível, do real o seu lado mais real chamado fantástico.

O FANTÁSTICO SURREALISTA E A ANTECIPAÇÃO ABJECIONISTA

Embora com alguns pontos de contacto, o “fantástico” e a “antecipação” têm, cada um à sua parte, características próprias que os separam e distinguem. Do “fantástico” à “antecipação” vai uma distância maior do que se supõe, distância que pode ficar definida pela que separa o “surrealismo” e o “realismo fantástico” do “abjeccionismo”.
Enquanto os dois primeiros movimentos participam de uma visão romântica e optimista da história (e do futuro) as antecipações abjeccionistas caracterizam-se fundamentalmente por uma consciência crítica aguda da história e uma denúncia realista dos factos. Sem expansões vitalistas, a antecipação “abjeccionista” desmonta o mecanismo da abjecção que caracteriza as sociedades presentes e próximas futuras.
Nas novelas e novelistas de “antecipação” há implícita uma “filosofia da História” que não tende, regra geral, para o cor-de-rosa. Ao apresentar as sociedades, não como se encontram (o estádio crítico ou de putrefacção em que se encontram) mas num estado paroxístico e definitivamente concentracionário, estas novelas e estes novelistas desempenham uma missão de alarme e aviso com certa função didáctica...
A verdadeira literatura de horror é hoje a de antecipação e não a que se filia nos vampiros domésticos da tradição gótica; esta literatura de antecipação, também rejeita, explicita ou implicitamente, as antecipações optimistas clássicas: Campanella, Platão, Júlio Verne e Tomás More; não se filia sequer em Edgar Poe (que deu origem a um outro tipo de raciocínio romanesco: a novela policiária) mas sim em Franz Kafka, o primeiro grande autor de antecipações abjeccionistas na literatura moderna.
As chamadas “fícções científicas”, que se caracterizam por uma inconsciência crítica da Abjecção e portanto por uma doce visão do futuro, entroncam directamente no Júlio Verne e na tradição feérica que ele renovou.
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(*) Este texto de Afonso Cautela foi publicado no jornal diário «República» (26/3/1966) e no suplemento literário do «Jornal de Notícias» (Porto) em 7/4/1966

JACQUES BERGIER NA BIBLIOTECA DO GATO-I






planète-6> - o movimento das ideias - releituras mágicas - em demanda do novo paradigma

JACQUES BERGIER ENTRE O POSSÍVEL E O IMPOSSÍVEL(*)

Até onde vai o poder do homem, ampliado pela tecnologia?

A esta pergunta procura responder Jacques Bergier com o livro que acaba de sair nas Edições Castermann, na colecção «Mutations-Orientations», dirigida por Michel Ragon.
Considerando que a nossa geração vive uma explosão das ideias, dos costumes, de todas as estruturas mentais e sociais, ao mesmo tempo angustiosa e apaixonante, esta colecção «Mutations-Orientations» propõe-se repensar cada questão, actualizá-la e retirar daí as suas perspectivas ou a sua prospectiva.
Com esse objectivo, saíram até agora títulos tão importantes como: «La Tragédie de L’Énergie», de Stéphane Lupasco; «Des Loisirs: pour quoi faire?», de Jean Fourastié; «La Médicine en Mutation», de Jacques Ménétrier; «L’Archítecture et la Révolte de la Jeunesse», de Maurice Joyeux; «L’Avenir à Reculons», de Pierre Schaeffer; anunciam-se para breve: «L’Art, pour quoi Faire?», de Michel Ragon, director da colecção, e «Design et Environnement, de Georges Patrix.
«Les Frontières du Possible», de Jacques Bergier, último volume aparecido na colecção, é também um livro apaixonante e, sem dúvida, polémico. Bergier não se limita a evocar todas as possibilidades postas à disposição do homem pela ciência e pela técnica, mas enumera também aquilo que o homem nunca poderá realizar.
Entre as possibilidades, indica ele: criar a vida no laboratório; viajar no passado; transmitir energia eléctrica pela TSF.
Entre as impossibilidades: predizer o tempo e os tremores de terra; fabricar uma máquina automática de traduzir; realizar um ecrã de gravitação; fotografar o passado; descobrir novos elementos entre o hidrogénio e o urânio; tornar-se invisível; viajar até ao centro da terra; criar plantas de nascimento instantâneo; viajar no átomo; escrever um romance policial em que o assassino será o leitor.
Na maior parte destes temas, Jacques Bergier encontra-se bastante à vontade, pois fazem parte dos seus estudos e da sua especialidade: Bergier, que se tornou famoso como co-autor do livro «La Matin des Magiciens» (O Despertar dos Mágicos, na tradução portuguesa, editada pela Bertrand) e co-fundador da revista «Planète», é em França um dos melhores especialistas de ficção científica e de literatura fantástica. Mas é igualmente homem de ciência, tendo descoberto os efeitos da água pesada sobre os reactores e o arrefecimento electrónico das pilhas nucleares.
Membro da Academia das Ciências de Nova Iorque, Jacques Bergier publicou várias obras, das quais acaba de sair em português «A Espionagem Industrial» e dirige actualmente a revista «Espionnage». Durante a guerra, participou na destruição da base de Peenemunde, onde os alemães fabricavam os célebres foguetões VI, V2eV3.
A posição de Jacques Bergier, ao abordar problemas tão melindrosos, não é nem a de um dogmático (negando suficiente abertura à ciência para caminhar no caminho do possível até ao impossível), nem a de um fantasista, que se compraz a supor no domínio das ciências positivas tudo o que os novelistas de antecipação com mais ou menos segurança inventaram. Ele define assim o justo meio termo entre o dogmatismo e a libertinagem intelectual:
«É preciso seguir uma via intermédia. A nossa ignorância é tal que o inesperado pode chegar. Mas a nossa credulidade é também de molde a fazer-nos aceitar demasiado facilmente não importa o quê. É preciso, portanto, ser extremamente prudente.»
Mas, também, corajosamente ousado e heterodoxo, acrescentamos nós. Quanto mais se aprofunda o real, mais fantástico ele nos parece e aparece. O realismo fantástico apresenta-se, assim, como um método de investigação que oscila entre o rigor da ciência e a liberdade da imaginação. Entre o possível e o impossível, como faz Jacques Bergier.

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(1) «Les Frontières du Possible», de Jacques Bergier. Col. «Mutations-Orientations» Ed. Castermann, Paris, 1971, 63$00.

(*) Este texto foi publicado no semanário «O Século Ilustrado» (Lisboa) , na rubrica semanal do autor intitulada «Futuro» em 17/7/1971 e no diário «Notícias da Beira» (Moçambique), na rubrica do autor intitulada «Notícias do Futuro», em 7/7/1971