quarta-feira, 11 de maio de 2011

INTELIGÊNCIA DA CÉLULA NA BIBLIOTECA DO GATO




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INTELIGÊNCIA DA CÉLULA E PSICOSOMÁTICA

Enzimas e hormonas são dois conceitos da fisiologia que intuitivamente sugerem funções de bioinformação, sinais mensageiros que emitem informação.
Lembro, por exemplo, o que nos é dito da hormona inibidora da diurese.
Ninguém pode negar, por outro lado, de que maneira as emoções estreitamente se ligam ao fluxo diurético. A relação ou ligação entre emoções e hormonas não escapa mesmo ao observador leigo e desatento.
Estejamos nós, estudiosos da bioinformação, minimamente atentos a mais essas interligações.

QUÍMICA DO CÉREBRO

Claramente também uma questão de bioinformação é a química do cérebro (e a famosa ciência psicosomática!) sugerindo que a comunicação intercelular comanda, inclusive, as nossas emoções.
Como diz Deepak Chopra, citando um livro que foi best-seller nos Estados Unidos, o leite, o frango, as bananas e os vegetais verdes fazem parte dos alimentos «felizes», pois estimulam a dopamina e mais duas outras substâncias cerebrais «positivas». Os doces e as gorduras, em contrapartida, são alimentos tipicamente tristes, porque estimulam a acetilcolina, uma substância química negativa.
Para sabermos mais sobre esta química do cérebro, lembro o que a ciência analítica já sabe sobre as hormonas e recomendo a leitura dos seguintes livros em edição portuguesa :
Jean-Marie Bourre – Comida Inteligente – A Dietética do Cérebro – Ed. Gradiva, Lisboa, 1993
Eva Campo - Alimentar o Cérebro – Alimentos e Substâncias mais eficazes para estimular a nossa actividade mental – Ed. Estampa – Lisboa, 1999
E porquê apenas estes dois títulos, se a ciência já tem publicado milhares sobre a química e bioquímica do cérebro? Precisamente porque são dois dos poucos a situar-se, a partir dos alimentos e da dieta, na linha ascendente ou holística que nos religa a esferas e níveis cada vez mais globais do conhecimento e da vida.
Neste, como em outros casos, a ciência analítica (linha da esquerda de sentido descendente) pulveriza os conhecimentos até ao mais ínfimo pormenor, afastando-nos do essencial que, por sua vez, está cada vez mais em cima e deve seguir a linha vertical ascendente.
O exemplo que acima citámos, dos alimentos «tristes» e «alegres», pode ser confirmado na medicina tradicional chinesa (a primeira medicina holística do mundo) e no sistema dos 5 elementos em que ela se baseia.
Por experiência própria, posso testemunhar que, de facto, abusando dos doces e gorduras, a melancolia, a tristeza, o aborrecimento, o fastio de viver são mais acentuados. A esfera energética em causa é a Terra ou Baço-Pâncreas/Estômago. O que já se sabia, há milhares de anos, está agora a ciência a redescobri-lo, conforme os dois livros acima citados confirmam.
«A alegria torna mais lento o fluxo da energia; quando alguém ri sem poder parar, torna-se incapaz de se movimentar» - diz um autor chinês, que acrescenta:
«Na tristeza, a energia não flui, goteja. Sobrevém acidez.». E ainda: «O medo impele a energia para baixo; há uma queda violenta de líquido claro. (Urina clara é muitas vezes expelida depois de um susto)»
Estas citações apresentadas por Félix Mann, no seu livro sobre acupunctura, exemplificam de maneira muito expressiva até que ponto a medicina tradicional chinesa, além de holística ou por isso mesmo, é a primeira psicosomática do mundo, que talvez a psicosomática moderna não consiga superar.
Mas o livro que conheço mais fascinante sobre esta psicosomática milenar é de um autor moderno, que aliás já esteve nesta sala a falar mas, infelizmente, sobre outros assuntos mais prementes. Isso não o impede, no entanto, de ser uma personalidade incontornável da medicina tradicional chinesa em geral e da acupunctura em particular.
Refiro-me ao Dr. Yves Requena e ao seu livro «Acupunctura e Psicologia» publicado em1990 pela Andrei Editora , de São Paulo, conhecida pelos preços exorbitantes dos seus livros, considerados técnicos e não de divulgação.

CÉREBRO E SISTEMA NERVOSO

Equívoco frequente na literatura médica sobre a actividade fisiológica do cérebro, deve ser assinalado. Sempre que se fala de informação e de corrente que faz passar a informação, a ciência médica localiza imediatamente no sistema nervoso a sede dessa corrente informativa.
Quem sou eu para contrariar a senhora autoridade da ciência médica? No entanto, acho que seríamos mais correctos ao situar no ADN molecular a sede de toda a intercomunicação.
É restritivo considerar a passagem de informação apenas em dois órgãos: sistema nervoso e cérebro. Como nos diz a medicina chinesa dos cinco elementos (madeira, fogo, terra, metal e água) a inteligência do organismo está em todos eles e todos eles falam uma linguagem que teremos de reapreender: felizmente que temos já, entre nós, além de bons acupunctores, bons mestres do yin-yang e dos cinco elementos que nos ajudam nessa tarefa. É mais um contributo para a linha vertical ascendente do nosso sonho.
Se me disserem que um medicamento químico também introduz uma informação no organismo e que é essa a sua função terapêutica, estou de acordo. Mas terei de acrescentar que, sendo o medicamento tóxico, a informação torna-se contra-informação.
Informação tóxica é contra-informação e, portanto, anti-terapêutica. As sequelas do medicamento químico são exactamente a esse nível: o organismo fica «tonto», é como se a sua natural inteligência se perdesse. Porque há uma «inteligência da célula», e enquanto a função dos alimentos, dos bons alimentos e dos medicamentos naturais, é respeitar e promover essa «inteligência da célula», a química farmacêutica tem o papel de a confundir.
É mais um caso em que as duas linhas do nosso sonho são mesmo de sentido contrário.
Defendida por Deepak Chopra e alguns (poucos) biólogos, a tese da «inteligência da célula» abre inesperados caminhos à ciência em geral e à ciência médica em particular.
É um bom item para pesquisar na Internet e nos livros. Tratar e curar não é intervir de maneira cada vez mais drástica e violenta, como fazem aliás as duas medicinas, alopática e naturopática, embora uma mais violenta do que a outra, mas abrir espaço a que a inteligência da célula se manifeste, sendo ela a curar e não uma acção externa qualquer, por mais sintomas que essa acção diga tratar.
O que vai dar também à questão da imunidade: a verdadeira cura é a imunidade natural do organismo que a realiza. O resto são sintomas que mais ou menos se mascaram ou abafam. Segundo o sonho de alguns, Imunidade tem muito a ver com esta inteligência da célula e não apenas com alguns órgãos específicos onde é costume a ciência médica moderna sediar a imunidade: glóbulos vermelhos e espinal medula, por exemplo.
A concepção da imunidade segundo a ciência analítica é, na melhor das hipóteses, apenas uma parte da questão. Também aqui, queremos uma ciência alargada.

domingo, 8 de maio de 2011

ANTÓNIO QUADROS: UM PENSADOR POLÉMICO




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A IDEIA DE PÁTRIA EM ANTÓNIO QUADROS, UM PENSADOR POLÉMICO (*)

(*) Este texto de Afonso Cautela foi publicado no jornal «A Capital», na secção «Livros na Mão», 16 de Setembro de 1989

O tónico optimismo de António Quadros vem de novo contagiar de esperança os seus leitores, entre os quais me incluo (desde, pelo menos, 1947...) com uma nova obra de longo fôlego, «A Ideia de Portugal na Literatura Portuguesa dos Últimos 100 anos», síntese do muito que o autor tem ensaiado e analisado no seu laboratório de pensador, descobrindo poetas, propondo teses, defendendo mitos maiores contra os menores, enfim, dando o melhor exemplo do «clerc» português, intelectual do seu tempo e contemporâneo do futuro, sempre empenhado na viagem colectiva, mais importante do que os umbigos individuais.
Curiosa e paradoxalmente, o «clerc» do Julíen Benda, revisto entre nós por Raul Proença, será, em principio e como racionalista, um dos termos a que A. Quadros se oporá no quadro das suas animosas antinomias de intuicionista nato e confesso.
O positivismo vem logo a seguir como outro alvo visado pelo existencialismo místico que A. Quadros defende.
E por aí fora: o pensamento deste escritor é um combate interminável contra os «erros» epistemológicos onde a cultura portuguesa tem, segundo ele, naufragado, século após século, traindo-se e abastardando-se, num fatalismo do disparate que nos parece atávico.

MISSÃO MESSIÂNICA

A coerência na procura intelectual entendida como uma missão messiânica, é uma das faces mais fascinantes deste autor.
Defensor de uma tese ou ideia-força, resumida num conceito alargado de Pátria, os seus ensaios são pistas de investigação destinadas a documentar e comprovar essa ideia-chave.
Se caminhar é sinónimo de errar, a viagem filosófica de António Quadros, por vias ainda não trilhadas, tem a humildade dos erros reconhecidos e inevitáveis a quem erra (caminha) mas também a novidade das certezas ganhas e o empenho das causas a triunfar.
Perigoso? Não muito: porque a pátria de Quadros está longe de qualquer dogmatismo ou ideologia fechada e totalitária, é mesmo um bom antídoto contra as ideologias do Gulag.
Pensamento em evolução, articulando com paciência de santo as peças soltas de um «puzzle» complexo e interminável que é a loucura portuguesa, ele escapa ao dogmatismo da razão cartesiana, realizando o conceito clássico de ensaismo (quase tão bem ou melhor que o seu adversário de ideias, António Sérgio) como ideação de hipóteses de trabalho sujeitas a confirmação experimental na mesa ou na retorta do laboratório.
Curioso que Sérgio e seus «ensaios» estejam sempre na linha de mira critica de um ensaísta tão lúcido como A. Quadros.
Assume ele as antinomias que têm dado lugar a algumas das mais fervorosas polémicas da cultura portuguesa, entre as quais ressalta o sebastianismo, essa avantesma do nosso pesadelo colectivo, esse mito que ainda não deixou de fermentar.
Na obra «Poesia e Filosofia do Mito Sebastianista» (1982-83, Ed. Guimarães) Quadros coloca-se entre a tese e a antítese, procurando a posição de síntese relativamente ao mito mais controverso da história portuguesa.
Bons «argumentos» não lhe faltam, quer dizer, personalidades literárias de gabarito, que vão de Bandarra a Pascoaes, de António Nobre a Fernando Pessoa, de Almeida Garrett a José Régio.
Dirão os seus críticos, que se acaba sempre por encontrar aquilo que se procura - como nas análises químicas... E que é sempre possível, armado de argúcia e largo conhecimento dos textos, descobrir nos símbolos as ideias que interessam à confirmação da tese sebastianista (ou outro símbolo qualquer).
A verdade é que, no «reino flutuante» da linguagem cifrada, o decifrador ganha e perde sempre alguma coisa, já que não se trata de chegar a nenhum porto seguro, a nenhum alvo concreto, mas sim e apenas de viajar...

IDENTIDADE NACIONAL NO ROMANCE PORTUGUÊS

No actual romance português, onde o tema da identidade nacional é recorrente, vê António Quadros a confirmação do que vem pregando, como precursor, com indiscutível vigor e louvável cadência, desde pelo menos a década de 70, quando surgiu o jornal «57», onde me honro de ter colaborado a convite de António Quadros.
Referindo-se aos romancistas que conhecem hoje, como diz, «uma enorme fortuna editorial e aparecem a representar a cultura portuguesa a nível internacional», António Quadros escreve: «Estamos perante um sinal de que, mais do que nunca, urge continuar a campanha iniciada no ano-chave de 1957, para nós o ano de tomada de consciência de toda uma geração.»
Com a palavra «campanha» fica claro que o autor se sente investido de uma missão e vocacionado para um apostolado laico que tem realizado de forma entusiástica, mesmo contagiante. É, aliás, um dos traços marcantes dos seus ensaios, esse «élan» de apostolado que manifesta, reforçado pelo ritmo torrencial de publicação que tem mantido, sem desfalecimentos.
«Portugal, Entre Ontem e Amanhã» e «A Arte de Continuar Português» (1976), «Poesia e Filosofia do Mito Sebastianista» (1982-83), «Portugal, Razão e Mistério- l - Para uma Arqueologia da Tradição Portuguesa (1986) — II - Projecto Áureo ou o Projecto do Espírito Santo» (1987), são apenas alguns dos mais recentes títulos de uma produção inesgotável, onde a quantidade não parece ter sido inimiga da qualidade.

QUEM ACOMPANHA A PEDALADA?

Procurando embora as grandes sínteses, António Quadros tem agigantado uma obra que acaba por prejudicar, pela extensão, aquele primeiro e último desiderato. A sua capacidade de trabalho e de produção intelectual parecem não de um só indivíduo, mas de uma equipa (e talvez o segredo esteja no subconsciente nacional colectivo...).
No entanto, torna-se imperioso ao leitor português acompanhar tão ágil pedalada. E não sei quantas cabeças, hoje, neste país, manicómio em autogestão, terão cabeça para isso.
O que explica talvez o silêncio em volta. Tendo a maior parte dos seus livros um desafio polémico, ninguém no entanto se atreve a responder, quando se trata de analisar tão grande mole de hipóteses e teses. Arruma-se o assunto com um rótulo pejorativo, como já se arrumara, por exemplo, o Sérgio com outro rótulo pejorativo. É destino dos pensadores polémicos, neste Pais, ladrarem no deserto.
Tanto a tarefa é de grupo, que movimentos como a «Renascença Portuguesa» se lançaram nela, no princípio do século, deixando-a no entanto incompleta. Em 1915, Pascoaes escreveu «A Arte de Ser Português", mas antes e depois dele os desvios deste povo (fugindo de si próprio para todos os brasis e índias) parece continuar. Será o nacionalismo português tão paradoxal que se caracterize exactamente pela aversão que temos, como povo, a ser portugueses?

A VENDA DA PÁTRIA

Nesse caso, as démarches de intelectuais como A. Quadros estariam condenadas a uma eterna escalada de Sísifo.
A venda da Pátria portuguesa ao pior internacionalismo europeu que é o imperialismo do dinheiro, da histeria consumista e da ganância bolsista, não deixa grande margem para alimentar a esperança desse 5.° Império do espírito que Pessoa glosou e Quadros reglosa. Saímos da alienação colonialista para entrarmos rastejantes como pedintes na Europa das empresas, onde não vejo lugar para nenhum dos valores da cultura e do espírito que A. Quadros exalta, analisa, carreia, com tónico optimismo.
É um facto que o grande rio do espírito correu sempre oculto, sem dar nas vistas públicas. Mas quando não houver, «in extremis», nem território, todo plantado de eucaliptos, onde irá ocultar-se esse rio, essa ideia de Pátria da qual a obra de A. Quadros é o principal afluente?
Sem uma ordem oculta organizada e de regras internas severas, não vejo como pode a Pátria portuguesa resistir à onda interna e externa de excrementos, violência e terror industrial que ameaçam engoli-la. Francisco Palma Dias, largamente analisado no livro de A. Quadros, seria a ponte possível. O seu verso «onde a terra acaba/amar começa», paráfrase de Camões, resume o universo. A Esperança surge, como diz a Bíblia, quando já não se espera mais nada. Nesse caso, Portugal está maduro: é a hora.
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BIOGRAFIA DE FICÇÃO RETRATA LIVRE-PENSADOR REPUBLICANO: ANTÓNIO QUADROS ESCREVE ROMANCE DE UM FILÓSOFO (**)

(**) Este texto de Afonso Cautela foi publicado no jornal «A Capital», na secção «Livros na Mão», 16 de Abril de 1991

Quem será a figura de intelectual e filósofo portuense retratada nesta biografia de ficção acabada de publicar por António Quadros, com o titulo «Uma Frescura de Asas»? Não sendo a questão mais importante que o livro levanta, não deixa de ser uma das mais interessantes. Descobrir um enigma, desvendar o que permanece velado, anima sempre a nossa costela lúdica e essa proposta, como a de um romance policial, é feita por Quadros a um nível de «suspense filosófico», capaz de arrastar o leitor comum das intrigas superficiais em que o romanesco de consumo o arrasta para o âmago das questões metafísicas. Aquelas, pelo menos, que se encontram abordadas na obra: quem somos, para onde vamos, de onde viemos? Enfim, a clássica e santíssima trindade das perguntas-mãe de todas as perguntas e cuja (falta de) resposta é uma das razões para que certa gente, mais exi-gente, se mantenha viva.

O protagonista do romance que António Quadros, um tanto surpreendentemente, nos apresenta, é um exemplar dessa raça de exi-gente. Não se fica pelo conforto dos dogmas, pelo capacho das certezas, pela ilusão das explicações ditas cientificas. Discute a instituição religiosa tanto como o deserto (de ideias) positivista. Se não fossem as questões de fundo metafísico, dá impressão que essa estranha figura - cujo nome, se bem me parece, nunca é divulgado - mergulharia no passado sem retorno que leva ao tradicional e já clássico (especialmente entre portugueses) desfecho do suicídio. Ninguém se mata por razões filosóficas, está bem de ver, mas o peso do seu pesadelo pode ajudar muito à festa, como se vê neste doloroso percurso da um doente («intratável» pela medicina positivista ainda hoje vigente), contado por ele próprio, em carta a um abstracto amigo, entre 6 e 11 de Novembro de 1915 pelas sete da tarde...
O estratagema do «diário epistolar» encontrado pelo autor é outro dos aliciantes para a narrativa. Afinal, o dilatado tempo de uma vida vem à memória do narrador em cinco escassos dias, em poucas dezenas de horas. O inventário de um itinerário, como um filme passado no vídeo a grande velocidade, regra geral não consome muito tempo real. Mais tempo, conforme se assinala, levou o livro a escrever entre Abril e Maio de 1990, conforme o autor indica. Local: Vale de Óbidos.

ESCREVER AO RITMO DO PENSAMENTO

«Novela filosófica» ou «biografia intelectual» de um livre-pensador em plena eclosão do regime republicano, na cidade do Porto, o novo livro de António Quadros é também a síntese das suas próprias inquietações filosóficas e existenciais a que, ironicamente, ele chama de «teólogo filosofante». Cartas a um amigo (vago, sem nome e sem rosto?), escritas na cama de hospital onde se encontra convalescente de uma operação (à próstata?), o personagem-narrador vive no palco das ideias o seu drama existencial: não poder ser um «homem completo», ou seja, segundo o esquema proposto, ter uma relação «normal» com as mulheres. O encontro dele com D. Helena, na casa desta, a pretexto de um «chazinho», é o «pivô» da parte (melo)dramática desta história, desta biografia, desta vida romanceada e que, no estilo sempre cativante de António Quadros, conta mais das suas próprias vivências intelectuais do que retrata personagens ou descreve situações de alteridade.
A «sinceridade» continua a ser a marca deste homem, escritor e filósofo - deste «clerc» no sentido que lhe dava Julien Benda - que leva tão a sério o oficio de viver como o de pensar e escrever. A novela de confissões filosóficas agora publicada - romance numa cabeça? - «corresponde para o autor - tal como se escreve na capa - a uma pulsão íntima, um imperativo que o levou a atrasar por alguns meses a conclusão da sua trilogia «Portugal, Razão e Mistério» de que foram publicados em 1986 e 1987 os dois primeiros volumes.» É o que todos nós, os leitores e admiradores de António Quadros, mais lhe invejamos: a regularidade da sua actividade criadora, ritmada como um relógio interior, segundo todos os biorritmos naturais. Se ao menos um «ano sabático» nos desse a nós, também, a hipótese de escrever o que há cinquenta anos adiamos!

ESCREVO, LOGO EXISTO

Em António Quadros - e apesar das múltiplas actividades em que se diversifica a sua obra - não há dissociação de personalidades: a voz que se revela, emocionada, nas obras de ficção, qualquer delas de excepcional interesse para o exegeta da chamada «literatura pura», tem o mesmo timbre de autenticidade e universalidade que «ouvimos» nas suas obras de investigação, a que incansavelmente o autor se dedica e com a mesma emoção dos contos ou das narrativas romanescas.
Escrever existindo, existir escrevendo, e sempre com paixão, podia ser um dos lemas definidores deste grande senhor da nossa cultura, que na análise de Fernando Pessoa ou Hegel, de Leonardo Coimbra ou Mário de Sá Carneiro, põe o mesmo entusiástico fervor, a mesma marca de empenhamento e compromisso, o mesmo «engagement» humanista. Quadros, que traduziu Camus, parece em tudo o que faz ter adoptado uma máxima deste malogrado escritor francês: «solitário-solidário» podia ser também o seu lema, tão bem o define também a ele; em tudo quanto António Quadros escreve, não há sinal de egotismo ou egoísmo, mesmo que seja um diário intimista como este que compõe o livro «Uma Frescura de Asas».

O ALIMENTO DAS IDEIAS

Conforme nos é revelado na nota informativa da capa, «a invenção novelística deste livro inspira-se em personagens e actos históricos, velando contudo o nome daqueles e procurando ser fiel ao significado destes».
Se assim for, um outro rótulo - o de «biografia romanceada» - lhe assenta também: «E é assim que podemos seguir não só a agitação do período da propaganda republicana, a questão do Ultimatum, a revolução do 31 de Janeiro, o exílio dos seus promotores em Paris.»
Mas, apesar de enigmático nas perguntas que deixa sem resposta, o estilo de Quadros, sem evocar o nevoeiro sebastianista, é suficientemente luminoso nos próprios símbolos herméticos que propõe.
Dá gosto ler Quadros, um autor que nos convida a pensar. Para quem as ideias são alimento indispensável. Autor que consegue fazer de um «romance filosófico» uma narrativa tão emocionante como um «policial» ou um conto de «suspense»
(*) «Uma Frescura de Asas», António Quadros, Colecção Europavizinha, nº 7, Europress, 1971