sábado, 25 de dezembro de 2010
W.S. BURROUGHS NA BIBLIOTECA DO GATO
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7/Julho/1990
WILLIAM SEWARD BURROUGHS: O FIM DA «GRANDE FARRA»
De que teriam morrido civilizações como a do Antigo Egipto? De fome ou fartura? De carência ou pletora?
Exercício de imaginação ( e boa ideia para aproveitar em narrativa de ficção) é, de facto, tentar saber como se deu o fim de alguns impérios que deixaram marca e a que ainda podemos recorrer lendo os destroços . O resto que resta da «grande farra».
Contrariando a analogia que automaticamente se tende a fazer com a civilização actual - morta pela poluição -, há necessidade de colocar mil e outras hipóteses igualmente verosímeis sobre a causa que pode ter levado civilizações inteiras a ruir como um castelo de cartas.
No livro «As Terras do Poente», William Seward Burroughs imagina uma forma possível, entre várias, que levaram o Egipto ao estado de múmia... O facto de haver, em diversos pontos do globo, toponímias iguais ou semelhantes, terá induzido o escritor a pensar numa causa comum que contribuiu para dizimar sociedades inteiras, ontem homogéneas mas que hoje nos aparecem, sob a forma de extensos desertos, dispersas no espaço e distanciadas no tempo. É mesmo provável que estivessem ligadas por laços já hoje indetectáveis e que formassem então a mesma e única rede de interrelações.
O tema da «contaminação orgânica» seria, no entanto, comum a todas essas «mortes». William S. Burroughs levanta, em «As Terras do Poente», a hipótese das centopeias gigantes, que, proliferando com tal força e velocidade, teriam comido tudo o que era ser humano. Ele retira dessa hipótese, como se calcula, surpreendentes ilacções romanescas. Tudo isto a partir de um topónimo que, existindo no território dos Estados Unidos, existia também no Egipto dos faraós e dos escribas.
Com a sua arte descritiva semelhante à lâmina afiada de um bisturi, William S. Burrouhgs não nos poupa a cenas-limite de verdadeiro horror, com as centopeias devorando seres humanos e a sairem, com suas cabeças agitadas e frenéticas, do corpo das vítimas...Qualquer produtor de filmes de horror estará, com certeza, atento, para aproveitar cenas tão garantidamente repugnantes. Tão gratificantes, como diria o Ministro da Alimentação.
Constante, nos quadros abjeccionistas de William S. Burroughs, é a exibição dos órgãos sexuais, expostos também à voracidade das bichas selváticas e a uma constante entropia que sugere a essência da malignidade, dos escombros e da morte. A ruína desta civilização. O fim da «grande farra».
Sob a aparência de um relato coloquial, Williams S. Burroughs descreve, em constante obsessão, a decadência, o apodrecimento, a decomposição «orgânica». Com tintas nada suaves, diga-se, antes com uma expressa a propositada violência visual. O que não pode deixar de fascinar, tarde ou cedo, um produtor de cinema.
Cada um seu paladar
O escritor de «As Terras do Poente» é perito em procurar exactamente aquilo que repugna ao paladar, à vista, enfim, aos cinco sentidos que ainda conseguem reagir, no amolecimento e embotamento generalizado que caracteriza a sociedade de consumo (ou do vómito? perguntará Burroughs), já bem longe das metas hedonistas que sonhou, dos prazeres que julgou gozar.
Nesse aspecto se diria que Burroughs baniu qualquer idealização romântica e que exagera ao seleccionar apenas o que é ostensivamente repugnante (aos cinco sentidos) e traumatizante à sensibilidade. Uma coisa parece certa: com esse inventário de horrores, o autor pretende traduzir a «grande farra» que é a sociedade de consumo moderna, grande farra que será a forma pela qual esta civilização irá perecer, e dar a alma ao criador, ungida de todos os sacramentos, tal como a egípcia pereceu, apesar de ser herdeira directa e dilecta dos deuses... Pela boca morre o peixe
... e o Planeta do «fast-food» também.
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O MAL NA LITERATURA: WILLIAMS BURROUHGS COMEÇA A SER ACTUAL(*)
[10-2-1992]
Qualquer dia temos que fazer a notícia necrológica de William Burroughs, maldito até ao fim, nos seus actuais 77 anos sobrevividos, e então é o momento, entre todos solene, de proclamar que ele «foi um dos mais importantes escritores de todos os tempos» incluindo os vindouros, e lamentar que não lhe tenha sido atribuído o Prémio Nobel. Nunca se sabe quando esta omissão do Nobel é vista como um elogio ou como uma afronta ao chorado autor em causa...
Não vai haver tempo, então, para pôr em dia a leitura do seu verbo vulcânico e torrencial, pormenorizar os aspectos circunstanciais e publicitários da sua vida maldita de maldito escritor. Depois de morto, sim, tudo isso poderá concorrer para o vender melhor.
Temos em tradução portuguesa -- e traduzir Burroughs é fazer [o pino] equilibrismo em cima de um cabo de alta tensão -- «As Terras do Poente», «Cidades da Noite Vermelha»(*) e «Naked Lunch», banquete que o saudoso João Palma-Ferreira teve ainda ocasião de verter para a editora Livros do Brasil com o infeliz título «Alucinações de um Drogado».
Pois bem: quando Burroughs, nascido em St Louis, em 5/2/1914, esticar o pernil, vai ser difícil afirmar, numa obra com 47 títulos, de 1953 até hoje, se está lá tudo quanto os seus panegiristas, entre os quais se podem contar o português Palma-Ferreira e o norte-americano Norman Mailer, dizem estar. Tudo e mais alguma coisa, até o que ainda não existe. Por isso em vez de escritor, muitos preferem considerá-lo profeta. Vai ser impossível a um ser humano abranger (abraçar) esta prodigiosa torrente de lava que, além de queimar, não é propriamente de um perfume «made in Paris».
O PAPEL DOS CHEIROS
Aliás e como se sabe, os cheiros têm, nas páginas de Burroughs, um papel característico, ainda que todo o mundo sensorial o tenha, mercê de um génio descritivo de imagens que supera toda a câmara cinematográfica. Isto não impede que o realizador Cronenberg, sempre à cata de moscas, não esteja tentando a sua chance de adaptar o «Naked Lunch», título de W.B. mais vendido, mas não sei se o mais profético.
No aspecto de prever as grandes vagas de fundo que só anos depois a história iria comprovar, ponto por ponto, «Cidades da Noite Vermelha», na magistral tradução de Maria Dulce Teles de Menezes (na companhia de Salvato), parece-me muito mais pesado de consequências. Publicado em 1981, está lá já, nas «Cidades da Noite Vermelha», a epidemia do século, com uma nitidez de contornos perfeitamente alucinante. De tal maneira, que se torna crível a hipótese colocada por alguns observadores de a tal «epidemia do século» ter sido decalcada e montada de acordo com o guião ficcionado por Burroughs. Só para deslindar esta questão - se foi a história que copiou Burroughs ou ele que profetizou a história - muitas equipas de investigadores seriam necessárias. Entretanto, nas escassa notas de referência que têm aparecido em português sobre o «maior escritor do século XX» -- assim se inclinava a considerá-lo o nosso João Palma-Ferreira -- é possível respigar novos itens que dão novas pistas para percorrer, sem demora e exaustivamente, o que bem pode vir a ser considerado o sucessor de James Joyce no «guiness» dos escritores mais citados e cotados.
PERGUNTAS INDISCRETAS
Que tipo de genealogia, por exemplo, liga este cabecilha da geração «beat» a Conrad, Genet, Dante, Carlyle e Swift?
Até que ponto a «técnica da montagem» é fácil e pode repetir-se como receita, e até que ponto só por ela seriam possíveis obras como o «Ulisses» de Joyce?
Que tem a ver Burroughs com a sacralização e a santidade da Abjecção, tão nítida, por exemplo, em Genet?
Será Sade um dos seus antecessores, ou nunca o conheceu de parte nenhuma?
Na geração «beat», teria sido ele a fazer da viagem o símbolo iniciático por excelência, ou esse papel deve, com maior justiça, atribuir-se a Jack Kerouack?
Terá razão Norman Mailer quando proclama o autor de «Naked Lunch» «o único romancista americano vivo provavelmente possuído pelo génio?»
Mais: seria ele e não Artaud a levar até às últimas consequências a literatura como experiência-limite, o abjeccionismo contido nas premissas do surrealismo europeu?
Quem se aventurar por este pântano ardente, por este pesadelo sem despertar, por este «resfolgar do universo, sem sono nem tréguas nem pausa» que é a obra de Burroughs, deverá apenas tomar algumas precauções prévias, demarcando o terreno, por exemplo, com datas de referência, para não se perder totalmente e poder regressar à «vida normal», à «civilização», à histérica sociedade do consumo.
Note-se que, quando outro «beat», Allen Ginsberg, publicava «Howl» (1956) e Jack Kerouack «On de Road» (1957), já Burrouhgs estava metido até ao pescoço nos alucinogénicos e instituído guru, eminência parda, mito entre os mitos da «beat generation», ainda que o seu «Naked Lunch» só surgisse em Paris em 1959.
Como diz um crítico, as novelas de Henry Miler parecem suaves e humanas se comparadas à inaudita violência (visual e nem só) de Burroughs. Que pena Bataille não poder incluí-lo em «A Literatura e o Mal», o livro que ainda preferimos como o manifesto possível da famigerada quão impossível modernidade.
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(*) «As Terras do Poente», William Burroughs, Ed. Presença
«Cidades da Noite Vermelha», William Burroughs, Ed. Difel ■
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1-1 - 92-02-09-ls> leituras do afonso - quinta-feira, 10 de Abril de 2003-novo word -beat> 1119 caracteres
9-2-1992
LEITURAS DE VERÃO
ESTÃO BEM E RECOMENDAM-SE, SOBREVIVENTES DA «BEAT GENERATION»
Quando os «yuppies» pensavam ter vencido definitivamente os «hippies», quando os profetas dos vários neoacademismos dos anos 80 já tinham dado por morta e enterrada a geração «beat» que, nos Estados Unidos da América, mandou o estilo às urtigas, vergastou o sistema como pôde e quase se converteu ao budismo Zen, tal o asco que votava à ciência do capitalismo e ao capitalismo da ciência, eis que dois nomes cimeiros da dita geração «beat», Burroughs e Kerouac (*), renascem das cinzas.
Com edição recente em português, o primeiro, em artigo laudatório, em semanário de letras, o segundo (de quem a editora Ulisseia, há muito tempo, publicara o inesquecível « On the Road», com o título português «Pela Estrada Fora», ainda hoje paradigma de uma mitologia geracional), tudo indica que a geração «beat» continua de boa saúde e recomenda-se.
Quer dizer então que temos mais um morto-vivo, uma geração arrumada na prateleira mas ainda capaz de virar o «establishment» do avesso? Assim seja, se assim for.
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(*)«As Terras do Poente», William S. Burroughs, Editorial Presença
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1-1 quinta-feira, 5 de Dezembro de 2002 - cucos-3> diario90
A METÁFORA ORGÂNICA E AS (MINHAS) IDEIAS
Lisboa, 18/Agosto/1990 - Era fatal. Agora que a metáfora orgânica surgiu como ideia-mestra da narrativa que me propunha (proponho) escrever, começo a ver essa ideia aproveitada e usada em tudo o que é escritor ou escriba, e por tudo quanto é sítio.
Até um ensaísta como Edgar Morin, de formação científica tão ortodoxa e tão crítico relativamente aos vitalismos, tão certo dos dados exactos das ciências positivas, até ele usa a «metáfora orgânica» quando, na obra «Questões do Nosso Tempo» (1981), compara o sistema de uma teoria (ou de uma doutrina) a um sistema orgânico (um ecossistema) que cria as suas próprias autodefesas contra os «vírus» das influências e críticas, externas ou internas, exógenas ou endógenas.
Pensei que um ensaísta com as responsabilidades «escolares» de Edgar Morin não quisesse rebaixar-se à sedução de ver todo o cosmos (e todos os microcosmos) como uma enfiada de ecossistemas (tipo boneca chinesa), à tentação de usar símiles do corpo e dos organismos para analisar fenómenos políticos, ideológicos e sociais.
William Burroughs, no livro «Cidades da Noite Vermelha», desenvolve a mesma intuição - fazer passar todas as vivências, ideias e terrores pelo metabolismo. Mas em Burroughs trata-se de uma coincidência e não de um rapinanço, de uma intuição fulcral ou crucial e não de um leit motiv ou de um fait-divers. Aliás, foi lendo as suas «Terras do Poente» que se me consolidou a ideia da importância do metabolismo, numa literatura de vanguarda, como aliás já o disse, há dias, a propósito de Rabelais e do seu gigantesco «Pantagruel».
Há, com Borroughs e Rabelais, uma identidade de objectivos, pensamento e sensibilidade que explica a coincidência e me lisonjeia.
Mas já me é muito mais difícil aceitar (engolir) que o senhor Kundera, no romance « A Imortalidade» (*) se divirta também com uma metáfora orgânica, ao contar a anedota ocorrida com o casal Salvador Dali-Gala: colocados, ao ir de férias, perante a perplexidade de não saber onde deixar um coelho de estimação que adoravam, Gala resolve realisticamente o problema dando de comer a Dali o coelho num delicioso guisado. «Deve comer-se o que se ama» é a lição moral que indirecta e vagamente Kundera extrai deste episódio, desta anedota surrealista.
Mas a questão em Kundera é se o melhor da sua literatura de consumo não serão as anedotas que ele conta ou invoca, nem que para isso tenha de as pedir emprestadas a Dali ou a Goethe. É que, mesmo para plagiar, há que estar naturalmente investido de autoridade moral e poética para o fazer, o que não me parece ser o caso de Kundera.
De qualquer modo, a ideia de um «canibalismo» latente em todo o acto de amor começa a escapar-me das mãos como uma intuição querida de tantos anos e que supunha minimamente original sem que ainda não me tivesse sido rapinada pelos do costume.■
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