terça-feira, 24 de julho de 2012

JEAN-LOUIS BÉDOUIN: 20 ANOS DE SURREALISMO

1-2 - domingo, 27 de Abril de 2003 – 64-11-13-S&S>

O SURREALISMO EM PORTUGAL (*)
(*) Este texto de Afonso Cautela, foi publicado no jornal «República», (Lisboa) , 13-11-1964

O livro apareceu nas edições Denoel, de Paris, em 1961 e tinha por título "Vingt Ans de Surréalisme" (1939-1959) .
Autor: Jean-Louis Bédouin.
O capitulo IX era dedicado a "O Surrealismo no Mundo" e na página 109 falava-se de Portugal. Aí se diz que também cá houve surrealismo mas, entre os nomes citados, apenas brilha o de José Augusto França como promotor principal das actividades surrealistas no país.
Dos possíveis ou únicas surrealistas de facto - António Maria Lisboa e Mário Cesariny de Vasconcelos - nem o nome nem o cheiro. E também nem o nome nem o cheiro de outros que, sem serem surrealistas ou surrealizantes (mas vindos do surrealismo ou indo para o surrealismo) restaram e restam irredutíveis à mediocridade que submergiu a chamada poesia moderna entre nós, academicismo de que José Augusto França representou e representa um dos mais sólidos pilares.
Tudo leva a crer que Bédouin foi iludido na sua presumível boa fé.
Admite-se que não pudesse ou quisesse dedicar ao assunto mais espaço das 325 páginas do seu livro; admite-se que a documentação disponível não fosse abundante: admitir-se-iam até inexactidões ou lacunas; e, atendendo à extensão que o movimento surrealista ganhou por todo o mundo, admite-se ainda que nem sempre pudesse informar-se, com minúcia, do que foi o surrealismo fora da pais francês.
De lamentar é que as informações nem sempre tenham ido pela via mais segura e a pessoa consultada não tenha sido a mais idónea ou menos imparcial (honesta). O porta-voz encarregado de bichanar a Jean-Louis Bédouin o conto (do vigário) do que foi o surrealismo em Portugal, trai-se no entanto e aliás pelo excessivo, evidente e deselegante parcialismo com que o faz. Eficaz, sim senhor, mas imprópria maneira de auto-propaganda para estrangeiro e França verem.
É certo que o processo conjunto de segregação desagregação, usual no grupo surrealista francês, teria também de suceder aqui. E sucedeu. Mas a confusão foi maior, porque mais confusa começou par ser também a base do movimento, o ponto de onde partiu.
Se nunca houve uma definição prévia, exaustiva, intelectual e minuciosamente clara a que se pudesse chamar as "teses ou fundamentas ou dados da surrealismo em Portugal", também se não podia depois, convictamente, fundamentar purgas e excomunhões. Até porque nunca se soube bem quem tinha autoridade - adquirida, conquistada, conferida para proceder a elas.
Mas organizados ou não em grupos, creio que deveriam ter interessado ao historiador Jean-Louis Bédouin os que, fora ou dentro, segregados ou por segregar, se mantiveram, através dos surtos colectivos ou do "behaviour" individual, mais perto dos postulados do surrealismo francês.
Referir apenas os grupos que expressamente (e quase sempre abusivamente) usaram letreiro de "surrealistas", dá (como de facto deu no livro "Vinte Anos de Surrealismo") em resultado lembrar nomes que nunca o foram (o que logo ficou visível, em França, meses ou anos depois das primeiras desavenças), outros que deixaram de o ser e outros que ficaram assim-assim-pouco-mais-ou-menos na inércia do empurrão que apanharam. O recurso a letreiros facilita o trabalho do cronista mas falsifica-o. Mais difícil mas mais certo é indagar de quem foi. E não quem diz que é, que foi ou que vai ser daqui a bocadinho.
Acredita-se que a boa fé de Bédouin tivesse sido iludida e disso, mais do que lastimar-se, devem os bons surrealistas portugueses culpar-se por não ter havido nunca
1º) uma base teórica ou manifesto, de tipo diferente da "manifesto poético" de António Maria Lisboa;
2º) Uma base em que “incarnasse”a teoria, um núcleo ou grupo insolvente;
3º) Uma historiação ou simples balanço das actividades surrealistas, surrealizantes, proto, cripto ou pseudo-surrealistas, sem esquecer a linha de fronteira marcada pelos ataques ao surrealismo par parte dos não-surrealistas e anti-surrealistas confessos (no fim e no fundo, apenas ignorantes bem aventurados do que fosse surrealismo).
Injusto e injustificado é que na referida resenha o sr. Bédouin exclua os nomes de António Maria Lisboa e Mário Cesariny, que inclua nomes já declarados (auto-declarados) exclusos, e que dê, em vez de um retrato decente do pouco surrealismo que aqui conseguiu sobreviver, este retrato de família estilo álbum pessoal, que se pode ler e dar a ler às visitas mas impróprio para pôr em público e apenas para mandar de... França para França.

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(*) Este texto de Afonso Cautela, foi publicado no jornal «República», (Lisboa) , 13-11-1964

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