segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

ACTUALIDADE DE RAMON LULL-I





1-5-lull-md-1-5; sexta-feira, 7 de Novembro de 2003
+
3730 caracteres enln-3;livros;ideias; diário de um leitor

ACTUALIDADE DE RAMON LLULL : A VIDA DE UMA VIDA

Nascido provavelmente em 1232 e provavelmente falecido em 1315, foram, pelo menos, 83 anos de energia invencível, que não deixaram de aborrecer solenemente as autoridades inquisitoriais da época e continuam perturbando os vindouros. A própria Igreja, que o classificou de Doutor Iluminado, em devido tempo e latim, e lhe deu um dia no calendário cristão - 28 de Março - não soube ainda muito bem como digerir este santo e mártir/, que dominou, com a ajuda de Deus ou do Demónio, a ciência da época, criou quase ex-nihilo a língua literária catalã, deixou rastro premonitório nas terras do levante islâmico, foi delapidado por muçulmanos, tentou o primeiro «aggiornamento» entre árabes e cristãos, e permanece ainda hoje tão actual, tão enigmático e tão inviolável a biógrafos como o foi sempre.
Quando se julgava que toda a Europa dormia o sono dos justos, na letargia da passividade, encontrava-se em ebulição este vulcão chamado Ramón Llull e que ainda hoje não está extinto. O tempo «apagado» de obscurantismo católico, que foi a contemporaneidade de Llull, torna-o ainda mais luminoso.
Como quem já previa a crise mundial do momento, o livro(*) sobre o cavaleiro e eremita maiorquino é exemplar de oportunidade: o mesmo homem que pregou a vocação universalista do cristianismo e a cruzada para a reconquista das terras santas, o que fez missão de converter os infiéis, ficou - paradoxalmente? - na história como o grande divulgador da cultura muçulmana e introdutor dos estudos árabes no Ocidente. Para isso ele aprendeu a língua árabe, ao que consta com um seu criado desta nacionalidade. Como acentua a autora, «esta é apenas uma das ironias do seu destino paradoxal».
A não luxuosa mas preciosa edição, lançada pela Dom Quixote, vem enriquecida pela tradução da «Vida Coetânea», um dos raros indícios biográficos que existem sobre o Doutor Iluminado. Em 1913, Ramón Lull conta a sua vida, presumivelmente aos amigos da Cartuxa de Vauvert, narrativa que mão anónima redigiu, provavelmente a dele próprio. Uma tábua sincrónica ajuda a balizar, com nomes e datas, a vida sem balizas de Ramón.
O livro de Luísa Costa Gomes é também um incitamento ao estudo do «sistema lulliano», que, sob a designação de «lullismo», conseguiu provocar uma polémica ainda hoje em aberto: por mais longe que se vá no desvendar da personalidade deste enigmático senhor - e poucos terão ido tão longe na ousadia de a «imaginar», como o faz Luísa Costa Gomes - muitos são os escaninhos e meandros que permanecem indecifráveis. Não só pelo número impressionante de obras que deixou, - alguns apontam para quatrocentos títulos - não só pela vastidão de matérias e ciências que abrangeu, mas pelo carácter paradoxal que domina o seu itinerário de «extraterrestre» e «mutante» antes do tempo. Algumas facetas deste homem ficariam sempre por averiguar: em «Vida de Ramón», parece ter sido a personalidade do alquimista, negada posteriormente pela Inquisição, aquela que a autora também preferiu não enfatizar. Mas, curiosamente, era no domínio do «oculto» que o processo seguido por esta biografia «imaginada» poderia operar com maior legitimidade. Não estranhemos, aliás, que ela ou alguém volte a pegar em Ramón, para reimaginar algumas das várias vidas e personalidades que nele parece terem coexistido e que nunca ficarão suficientemente tratadas, por mais que exaustivamente alguém as trate.
Também nesse aspecto, esta é uma «biografia aberta», o primeiro passo de um caminho, o primeiro avanço numa pesquisa, numa estrada que conduz ao infinito. Mérito de Luísa Costa Gomes é ter visto que ao agarrar Ramón era a ponta da meada que agarrava.
+
9141 caracteres - - merge doc de 2 files wri de nome semelhante <> - > «leituras místicas» - « diário de um leitor aprendiz de energias » - ocorrências da palavra energia: 1

«VIDA DE RAMÓN» CONTADA POR LUÍSA COSTA GOMES

ACTUALIDADE DE UMA HERESIA

«Será este romance de Ramón Llull um dos melhores do último milénio?» A pergunta de Luísa Costa Gomes, com ironia e tudo, tem razão de ser, agora que foi lançado, pelas Publicações Dom Quixote, o livro de que durante muitos meses se falou com expectativa e curiosidade. A sessão realizou-se em Lisboa, no Hotel Embaixador, e a apresentação esteve a cargo de Abel Barros Baptista. Não só pela reconhecida qualidade da autora, ficcionista de gema, mas pela vida mais aventurosa, fantástica e romanesca que alguém podia inventar e que foi a do catalão Ramón Llull (ou Lúlio, aportuguesado), estamos perante um verdadeiramento acontecimento cultural. Ou, se quiserem e mais correctamente, contracultural, já que tudo, na vida e principalmente na obra deste místico medieval, cruzado e cavaleiro, aponta para a heresia e para a subversão do que o Ocidente cultiva como sua escala de valores.
Nascido provavelmente em 1232 e provavelmente falecido em 1315, foram, pelo menos, 83 anos de energia invencível, que não deixaram de aborrecer solenemente as autoridades inquisitoriais da época e continuam perturbando os vindouros. A própria Igreja, que o classificou de Doutor Iluminado, em devido tempo e latim, e lhe deu um dia no calendário cristão - 28 de Março - não soube ainda muito bem como digerir este santo e mártir, que dominou, com a ajuda de Deus ou do Demónio, a ciência da época, criou quase ex-nihilo a língua literária catalã, deixou rastro premonitório nas terras do levante islâmico, foi delapidado por muçulmanos, tentou o primeiro «aggiornamento» entre árabes e cristãos, e permanece ainda hoje tão actual, tão enigmático e tão inviolável a biógrafos como o foi sempre.

A vida de uma vida

Não admira que Ramón fosse para Luísa Costa Gomes a vida da vida dela. A escritora, que já se mostrara, como ficcionista, muito próxima das experiências-limite, dos grandes heresiarcas como Camilo, revela-se, rendida a Ramón, muito apegada também ao «pathos» de humanidade que da literatura transpira e vice-versa. Quem quer que tivesse, como ela, feito um dia tamanha descoberta, no acaso das bibliotecas, nunca mais a largaria.
Se nos ativermos ao que de mais superficial e imediato se pode notar neste livro, poderemos dizer que se trata de uma «biografia romanceada do filósofo, místico e missionário maiorquino do século XIII». Mas lendo um pouco mais, logo se verá que aqui apenas começa uma leitura infindável do infinito.
Quando se julgava que toda a Europa dormia o sono dos justos, na letargia da passividade, encontrava-se em ebulição este vulcão chamado Ramón Llull e que ainda hoje não está extinto. O tempo «apagado» de obscurantismo católico, que foi a contemporaneidade de Llull, torna-o ainda mais luminoso. O livro de Luisa Costa Gomes, evitando o flash fácil, aprofunda, rodeia, reune peças do puzzle, o que, acentuando o fascínio da ficção, dota esta obra de um arcabouço erudito de espantar.
Aliás os agradecimentos que figuram na página final, nomeadamente a bibliotecas portuguesas e de Maiorca, atestam que a autora aproveitou bem a «bolsa de criação artística» que lhe foi propincuada, entre 1989 e 1990, pela Secretaria de Estado da Cultura, já que os anos sabáticos para os criadores do espírito ainda é moda desconhecida em Portugal, onde os hábitos civilizados parece só entrarem quando nisso há interesse pecuniário.

ACTUALIDADE DE UMA VIDA

O místico Ramón vê-se retratado, talvez pela primeira vez na bibliografia mundial, por um biógrafo à sua altura. A descrição, por exemplo, da difícil «iluminação» que o monge teve, resistindo, enquanto pode, ao envolvimento divino, é um dos muitos pontos altos deste «romance biográfico» que nos transporta, sem dificuldade, ao mundo simultaneamente realista e fantástico de um dos maiores monstros que já honraram e ilustraram a espécie humana.
Como quem previa a crise mundial do momento, o livro sobre o cavaleiro e eremita maiorquino é exemplar de oportunidade: o mesmo homem que pregou a vocação universalista do cristianismo e a cruzada para a reconquista das terras santas, o que fez missão de converter os infiéis, ficou - paradoxalmente? - na história como o grande divulgador da cultura muçulmana e introdutor dos estudos árabes no Ocidente. Para isso ele aprendeu a língua árabe, ao que consta com um seu criado desta nacionalidade. Como acentua a autora, «esta é apenas uma das ironias do seu destino paradoxal».
A não luxuosa mas preciosa edição, agora lançada pela Dom Quixote, vem enriquecida pela tradução da «Vida Coetânea», um dos raros percursos biográficos que existem sobre o Doutor Iluminado. Em 1913, Ramon Llull conta a sua vida, presumivelmente aos amigos da Cartuxa de Vauvert, narrativa que mão anónima redigiu, talvez a dele próprio. Uma tábua sincrónica ajuda a balizar, com nomes e datas, a vida sem balizas de Ramón.
O livro de Luísa Costa Gomes é também um incitamento ao estudo do «sistema llulliano», que, sob a designação de «llullismo», conseguiu provocar uma polémica ainda hoje em aberto: por mais longe que se vá no desvendar da personalidade deste enigmático senhor - e poucos terão ido tão longe na ousadia de a «imaginar», como o faz Luísa Costa Gomes - muitos são os escaninhos e meandros que permanecem indecifráveis. Não só pelo número impressionante de obras que deixou, - alguns apontam para quatrocentos títulos - não só pela vastidão de matérias e ciências que abrangeu, mas pelo carácter paradoxal que domina o seu itinerário de «extraterrestre» e «mutante» antes do tempo. Algumas facetas deste homem ficariam sempre por averiguar: em «Vida de Ramón», parece ter sido a personalidade do alquimista, negada posteriormente pela Inquisição, aquela que a autora também preferiu não enfatizar. Mas, curiosamente, era no domínio do «oculto» que o processo seguido por esta biografia «imaginada» poderia operar com maior legitimidade. Não estranhemos, aliás, que ela ou alguém volte a pegar em Ramon, para reimaginar algumas das várias vidas e personalidades que nele parece terem coexistido e que nunca ficarão suficientemente tratadas, por mais que exaustivamente alguém as trate.

Também nesse aspecto, esta é uma «biografia aberta», o primeiro passo de um caminho, o primeiro avanço numa pesquisa, numa estrada que conduz ao infinito. Mérito de Luísa Costa Gomes é ter visto que, ao agarrar Ramón, era a ponta da grande meada que agarrava.

A ESFEROGRÁFICA DE RAMON LLULL (*)

Os místicos são como as cerejas. Pega-se numa e vem o universo todo atrás.
O curioso da fita é que, puxando por esta ponta da meada chamada Llull, a páginas tantas temos a genealogia dos deuses quase completa.
Puxando por Llull, vêm atrás coisas como:
-o sufismo ibérico, a mística do mito mediterrânico, descendente directo da Atlântida (Vide continente Mu e o Platão do «Timeu»);
-a experiência céltica e druídica, em directa conexão com os primeiros deuses que povoaram a terra ( e que se foram embora, espavoridos, logo que verificaram a ascenção do macaco chamado antropóide);
- O dilúvio que submergiu a civilização, deixando apenas alguns restos, peças de um «puzzle» que até hoje ainda não foi totalmente reconstruído;
- No campo da ideologia, Llull foi o autor do primeiro «aggiornamento» entre as duas religiões mais poderosas do Ocidente, cristianismo e islamismo ( mas falhou, como o Ocidente falharia);
- No campo da ética, serviu-se do «inimigo» (Demónio) para servir Deus, dialéctica que o Ocidente, feito parvo, nunca mais soube aproveitar;
- No campo dos costumes e face aos tabus da época( quase iguais aos de hoje), pôs a Igreja e a Corte em polvorosa, sem saberem onde esconder os abusos de alcova e onde leiloar a hipocrisia reinante, ontem como hoje reinante);
- No campo da nacionalidade mais vivaz da Península Ibérica - a identidade nacional catalã - criou «apenas» a língua literária catalã;
enfim, é deste monstrozinho sagrado que agora, no ano da graça de 1990, sete séculos depois, são traduzidas as primeiras páginas para a doce língua lusa...
Se tudo está certo nas prioridades editoriais, então é Ramon Llull quem está profundamente errado, nunca deveria ter nascido e muito menos ter escrito as tais quatrocentas obras de que o acusam.
Quando a Catalunha for tão independente como a Lituânia no seio da União das Repúblicas Capitalistas do Mundo, talvez se perceba que há certos autores, como Llull, que para lá da morte justa que tiveram (empalado vivo), a quem nunca deveria ter sido dada (nem vendida) uma esferográfica e uma folha de papel.
Setecentos anos depois, ainda andam a fazer estragos e a abrir brechas no Establishment que, no entanto e apesar das brechas, continua de pedra e cal.
Estes místicos da Idade Média, da barbaresca Idade Média, são mesmo fogo.
------------------------
(*) «Livro do Amigo e do Amado», de Ramon Llull, Ed. Cotovia
+
http://www.bartleby.com/65/lu/Lull-Ram.html


http://www.geocities.com/athens/forum/5284/portal■

Nenhum comentário:

Postar um comentário