segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011
LEONARDO BOFF NA BIBLIOTECA DO GATO
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19 de setembro de 2009
Zen-budismo na vida e no trabalho
por Leonardo Boff*
O zen-budismo pode significar uma fonte inspiradora para o paradigma ocidental em crise, bem como para a vida cotidiana. Isso porque o zen não é uma teoria ou filosofia. É uma prática de vida que se inscreve na tradição das grandes sabedorias da humanidade. O zen pode ser vivido pelas mais diferentes pessoas, simples donas-de-casa, empresários e pessoas religiosas de diferentes credos.
O centro para o zen-budismo não está na razão, tão importante para a nossa cultura ocidental, mas na consciência. Para nós, a consciência é algo mental. Para o zen-budismo, cada sentido corporal possui a sua consciência: a visão, o olfato, o paladar, a audição e o tato. Um sexto é a razão. Tudo se concentra em ativar com a maior atenção possível cada uma destas consciências, a partir das coisas do dia a dia. Possuir uma atitude zen é discernir cada nuance do verde, perceber cada ruído, sentir cada cheiro, aperceber-se de cada toque. E estar atento às perambulações da razão no seu fluxo interminável.
Por isso, o zen se constrói sobre a concentração, a atenção, o cuidado e a inteireza em tudo aquilo que se faz. Por exemplo, expulsar um gato da poltrona pode ser zen; também libertar os cachorros do canil e deixá-lo correr pelo no jardim. Conta-se que um guerreiro samurai, antes de uma batalha, visitou um mestre zen e lhe perguntou: “Que é o céu e o inferno”? O mestre respondeu: “Para gente armada como você não perco nenhum minuto”.
O samurai, enfurecido, tirou a espada e disse: “Por tal sem-vergonhice poderia matá-lo agora mesmo”. E aí disse-lhe calmamente o mestre: ”Eis aí o inferno”. O samurai caiu em si com a calma do mestre, meteu a espada na bainha e foi embora. E o mestre lhe gritou logo atrás: “Eis aí o céu.”
O que a atitude zen visa é à completa integração da pessoa com a realidade que vive. Deparamo-nos no meio de diferenças, compartimentando nossa vida. O zen busca o vazio. Mas esse vazio não é vazio. É o espaço livre no qual tudo pode se formar. Por isso não podemos ficar presos a isto e àquilo. Quando um discípulo perguntou ao mestre: “Quem somos?” respondeu apontando simplesmente para o universo: “Somos tudo isso”.
Você é a planta, a árvore, a montanha, a estrela, o inteiro universo. Quando nos concentramos totalmente em tais realidades, nos identificamos com elas. Mas isso só é possível se ficarmos vazios e permitirmos que as coisas nos tomem totalmente. O pequeno eu desaparece para surgir o eu profundo. Então somos um com o todo. Este caminho exige muita disciplina. Não é nada fácil ultrapassar as flutuações de cada uma das consciências e criar um centro unificador.
Há uma base cosmológica para a busca desta unidade originária. Hoje sabemos que todos os seres provêm dos elementos físico-químicos que se forjaram no coração das grandes estrelas vermelhas que depois explodiram. Todos estávamos um dia juntos naquele grande e misterioso coração incandescente. Guardamos uma memória cósmica desta nossa ancestralidade.
Depois, sabemos também que possuímos o mesmo código genético de base presente em todos os demais seres vivos. Viemos de uma bactéria primordial surgida há 3,8 bilhões de anos. Formamos a única e sagrada comunidade de vida.
Ao buscar um centro unificador, o zen nos convida a fazer esta viagem interior. É escusado dizer que tudo isso vale para todos, mas, principalmente, para mim.
lboff@leonardoboff.com
*Teólogo, professor e membro da Comissão da Carta da Terra
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