O CENÁRIO HERMÉTICO (*)
DA ALQUIMIA DAS PALAVRAS À ALQUIMIA DA VIDA: EXERCÍCIO COM E. J. HOLMYARD
+ 6 PONTOS
13/7/1993 - 1 - Ponto assente na história dos alquimistas é de que a lógica binária ou aristotélica foi gradual ou radicalmente substituída pela lógica analógica. Ou antes e bem vistas as coisas: a lógica analógica, de que emana a alquimia, precede a lógica aristotélica. E daí o obscuro, penumbroso período a que se chama «filosofia pré-socrática».
Ou seja: na lógica analógica, há sempre um sentido translato num discurso, cenário, objecto, símbolo apresentado. Nunca o sentido é literal. Cuidado, pois, com as analogias, terreno movediço onde se perde o pé. Sempre que se procuram analogias, cai-se, de facto, na facilidade: para Giambattista della Porta (1538-1615), por exemplo, animais como a girafa «criaturas gentis, de espírito subtil, com seus corpos esguios e longos pescoços, identificam-se com as substâncias etéreas e delicadas»...
2 - Nos textos de alquimia, há palavras que se vão tornando, por destilação, cada vez mais significativas e significantes. A «magia da palavra» e a «alquimia da palavra» são conhecidas dos literatos, particularmente dos surrealistas e de alguns poetas. O poeta também «destila» certas palavras, como o pintor destila motivos e cores. O sentido vai mutando, transmutando. Não é por acaso que todo o aproche exegético da Alquimia feito por Julius Evola (in «La Tradicion Hermética») se faz através da nomenclatura (Ver decantação, etc)
3 - É difícil ver na história dos alquimistas apenas uma actividade paralela à verdadeira alquimia interior. A questão que se coloca é esta: que ligação há entre o cenário montado por todas as histórias da alquimia - com fornos, atanores, destilarias, chumbo, pelicanos, alambiques, kerotakis, receptáculos, fornalhas, braseiros, frascos, tenazes, pás, caçarolas, lamparinas, retortas, hematites, provetas, funis - e a questão «energética» (vibratória) a que toda a alquimia deverá referir-se para ter algum sentido além do meramente folclórico, de mero incidente na história da química gloriosa?... O cenário externo do alquimista apenas como prova de paciência preparatória da iniciação ou alquimia interior do iniciando, é inverosímil.
4 - Algumas palavras em «acção» (sufixo de Informação), a «destilar» e «ampliar» por conceitos alargados, simbolismos, alegorias, transliterações sucessivas [ Ver decantação]:
- Amalgamação
- Calcinação
- Ceração
- Cristalização
- Destilação
- Dissolução
- Evaporação
- Filtragem ou filtracção
- Qualidades elementares ou naturezas
- Sublimação
5 - INTERFACES DA ALQUIMIA - As cores, tais como os animais míticos, (leão, urso, veado, avestruz, cameleopardo (girafa)), contam-se entre as «constantes» que devem ser notadas no cenário montado em todas as histórias de alquimistas. E, claro, a presença de símbolos zodiacais. A astrologia não se desliga da alquimia, a alquimia não se desliga da magia, a magia não se desliga da zoologia fantástica, a zoologia não se desliga da numerologia, e por aí adiante. Tudo se passa, pois, como se os textos alquimistas nos atirassem itens de informação só para nos baralhar: animais, árvores, contos, cores, curas mágicas ou miraculosas, estrelas, lendas, nascentes, números, pedras, planetas, plantas, quadrados mágicos. Tudo se passa como se uma lógica - ou espírito - não desvendada, presidisse a essa morfologia variada e desvairada. Como se, através dessa selva de signos que significam sempre outra coisa do que significam, como se pela variedade das formas, uma divindade nos punisse de não termos sabido conservar a Unidade Primordial perdida. Nos condenasse pela nossa incapacidade de discernir o uno universal, o Universo do diverso. Assim a história dos alquimistas se faz de histórias e mais histórias... Mas a história é sempre a mesma.
6 - A palavra «tradução», que muito se parece com transmutação, evoca uma certa acção alquímica e o trabalho de tradução tem, como sabem quantos se lhe dedicam, muito de subtil destilaria, de insistente decantação, de paciente alquimia. Na história dos alquimistas, sempre as palavras têm a palavra e os tradutores que empreenderam a translação dos textos árabes para as línguas europeias são uma fase típica desta história. E a lista de termos directamente adaptados do árabe anima-se: ( Ver Holmyard, pg.115)
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(*) As peças do cenário aparecem inventariadas na palavra glossário do dicionário ADN e foram colhidas na obra aqui comentada: «A Alquimia», de E. J. Holmyard , Colecção Pelicano, Editora Ulisseia, Lisboa, 1957
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