quinta-feira, 4 de novembro de 2010
A LENDA DO CONDE DE SAINT-GERMAIN
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TIQUES DO CHAMADO ESOTERISMO NUM LIVRO IMPLACÁVEL (*)
Lisboa, 14/1/1997 - O uso da letra em vez do espírito tem manifestações caricatas nos discursos que enchem os livros de literatura dita esotérica e/ ou ocultista.
No campo da pseudo-Magia ( com os círculos mágicos, por exemplo) ou no campo da pseudo-Iniciação - 2 exemplos retirados do mesmo livro (*), essa espantosa porcaria que se chama «O Enigmático Conde de S. Germain» - ilustram bem até que ponto uma das doze ciências sagradas (a Magia) e a própria démarche iniciática (eixo estrutural de todas elas) sofreram um processo de decadência e perversão inimagináveis.
(Páginas 42 a 45)
A pseudo-lenda de Saint-Germain, que esse livro pretende relatar é, aliás, outro bom exemplo dos tratos de polé que a noção de Eternidade sofreu e a que extremos de ridículo se pode levar a ilusão reencarnacionista deste senhor conde que - diz e lenda e o livro repete - aprendeu a fabricar ouro e ainda hoje deve estar nos EUA, a gozar dos rendimentos.
Tudo isto associando sempre a figura do ilustre Conde à respeitável Ordem Rosa Cruz - com suas lojas e seus rituais, outro dos tiques a que temos de nos tornar mais ou menos insensíveis, porque há sempre um Adepto, com ar de Mestre, que nos vem prégar o que a sua (dele) Ordem dita e ordena.
Karma (fatalismo sado-masoquista que nunca falta em livros ditos esotéricos), Obediência, Autoridade, Prestígio do Mestre e Segredo interno da Ordem - são outros tantos ingredientes desta forma tão peculiar de impostura que hoje algumas ordens ditas iniciáticas assumem.
Se atingem o poder político-económico, então temos a imagem do verdadeiro Apocalipse.
Os tiques são truques quando, por exemplo, ao mito do Mestre (o Iluminado) se acrescenta a honra de ter nas fileiras da ordem um grande escritor (Fernando Pessoa), um grande pintor (Leonardo), um grande músico (Mozart) - honra que é explorada até à exaustão pelos respectivos propagandistas.
O tique do «segredo» - ligadíssimo ao do «mistério» - vem descrito de forma admirável nas páginas 60-66 deste livro admirável:
(Páginas 60 a 66)
Ainda hoje se diz que o «Segredo é a Alma do Negócio».
De facto, as castas de sacerdotes cedo perceberam que ter o saber é ter o poder e, antes que os universitários modernos o percebessem, organizaram a vida de forma a vender o saber o mais caro possível.
«Segredo» é, pois, a palavra-chave entre os que falam de iniciações e ordens iniciáticas. O Segredo, diz o povo, é a alma do negócio.
Patético o relato que de um «segredo» e sua transmissibilidade faz o patético livro que estamos comentando:
(Página 70 a79)
A miragem do Ouro nos laboratórios de pseudo-alquimia é outro dos tiques que não abandonam este livro patético - e seu relato de um lendário Conde Saint Gérmain.
APROVEITAMENTOS DA ENERGIA «MEMÓRIA»
E se a memória estivesse no ADN como de facto está?
«Memória dos séculos chamam alguns autores ao que podemos chamar «memórias ancestrais».
A questão das memórias tem um papel central em Noologia - pois é a palavra ao alcance da mão para designar o mais largo espectro de informações (energias) desde as mais remotas às mais recentes.
Para os filósofos do inconsciente, «memória» é a palavra-chave .
Mas é também para os psicólogos intelectualistas, restringindo-lhe o sentido à fixação ou retenção das informações mais recentes .
Memória aparece também na psicanálise de divã.
Ou no divã, homólogo, dos hipnoterapeutas.
«Memória» serve para designar um espectro tão vasto de energias que necessita de uma especificação.
Psicólogos mais ligados à vida emocional entendem que hão-de ir à «memória dos séculos» para explicar o fenómeno de intuição num cientista ou de genialidade de um músico.
Aproveitam a memória também os espíritos defensores do «transe mediúnico», uma vez que o medium «incarne» no espírito de um grande escritor. No caso do espírita brasileiro Divaldo Franco , que insiste em se considerar Victor Hugo, ele considera que pode traduzir o que esse espírito lhe dita.
Afinal ninguém postula que as memórias, todas as memórias, estão no ADN de nós todos e que fazê-las vir ao de cima é apenas uma questão de trabalhar todas as energias, desde as ancestrais (seculares) até às actuais.
Também se faz a ligação entre memória e «talentos» ou «dons» individuais.
Mas se as memórias estão no ADN da célula, não é necessária a hipótese de outras vidas. O que muda muita coisa em muitos textos que falam de ciências ocultas, para não dizer que muda tudo.
Que as «recordações de vidas passadas» é o que dá lugar à mais abundante e pitoresca literatura, não há dúvida.
Psicólogos da escola positivista detêm-se, muito circunspectos, a analisar esse fenómeno do «já vivido» que muitos se lembram de relatar , convencidos de que viveram e conviveram vida passadas.
O tema do «génio» é o preferido dos espíritas, que não hesitam em refinar a tese afirmando: «O génio não seria a consequência de uma simples predestinação, resultaria de uma sucessão de reencarnações e corresponderia a uma acumulação realizada no decurso de numerosas existências»
(pg 115 )
Penso haver aqui o equívoco subtil mas frequente de confundir
Imortalidade
com
Eternidade.
Este equívoco leva longe : o mito de que há «imortais» vivendo clandestinamente algures numa Agarta, algures no Tibete ou algures no Centro da Terra, ocorre em vários livros de literatura esotérica.
O mito da «longevidade» tal como o da «imortalidade» persegue a pobre humanidade mortal mas eterna, condenada à eternidade,
«O homem que se recorda sem interrupção das suas vidas sucessivas torna-se imortal ...Perde a sua Idade»: esta máxima rosa-cruz é reveladora; de facto, atingir os arquétipos , vibrar pedra filosofal , ter acesso ao duplo, à eternidade - tudo sinónimos - é a démarche iniciática que, em grande parte, consiste na ultrapassagem alquímica das tais memórias = energias inibitórias .
Sem o saberem, os Rosa Cruz enunciaram um grande e belo princípio da Noologia.
BRUXARIA , SUAS RELAÇÕES COM AS CIÊNCIAS BIOLÓGICAS (JULES REGNAULT)
A proibição sexual é outro dos tiques muito frequentes na literatura esotérica, como se comprova ainda por este modelo de literatura esotérica que estamos comentando e que se chama «O Enigmático Conde de S. Germain».
Um ser excepcional deverá praticar a abstinência, o que noologicamente - à luz da Entropia - não é nenhuma asneira: basta pensar na entropia do orgasmo.
Mas associado ao tantrismo e mesmo ao vampirismo energético, de novo o discurso esotérico recai na quase obscenidade manipulatória.
(Pag 127-138)
«O mundo subterrâneo de S. Bonifácio e o rei do Mundo de Kirch Berger seriam na realidade o reino e o soberano da grande Loja Branca ou Agartha que em tibetano significa Agha, Grande Assembleia, «Ar» , espírito universal, «Ta» pureza integral
(pg 160).
Para os grandes mestres do Himalaia, a Agartha representa o zero místico entre os 22 templos que simbolizam os 22 arcanos de Hermes e as 22 letras do alfabeto sagrado. Esse zero místico é o Inencontrável.»
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(*) «O Enigmático Conde de S. Germain », Pierre Ceria e François Ethuin, Ed. Minerva - Lisboa, 1970
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