segunda-feira, 15 de novembro de 2010

AQUILO A QUE CHAMAM MORTE-I


morte-1> Da Psicologia à Noologia

AQUILO A QUE CHAMAM MORTE : ROTEIRO DE LEITURAS PARA O INICIANDO

«Para nós, na nossa vida e no nosso universo, há apenas um acontecimento de monta: é a nossa morte.»

Maurice Maeterlinck, «A Morte», Ed. Clássica - Lisboa, 1924

15/Novembro/1998 - O que as várias ciências e religiões, artes e letras, têm dito sobre aquilo a que chamam morte, informa mais sobre essas ciências e religiões, seus equívocos e limitações, sua cegueira e ignorância, do que propriamente sobre o tema que é suposto tratarem.
Provavelmente, ganharíamos mais informação se fôssemos por outra via, ou seja, escolhendo outro método que não seja o do conhecimento racional e/ou místico, usando outra linguagem que não seja a linguagem verbal de primeira ou primária instância.
Há outras linguagens, hoje, ao nosso alcance e provavelmente encontra-se entre elas a linguagem que nos poderá exprimir melhor o mistério da morte.
A questão daquilo a que chamam morte parece ser, de facto, o método de acesso que tem sido utilizado e a linguagem com que se pretende exprimir o conhecimento desse «fenómeno».
Como se aquilo a que chamam morte fosse mais um fenómeno entre outros e não o anti-fenómeno, ou seja, o que escapa à circunstancialidade e imanência das morfologias materiais.
Sem se postular a realidade energética global entre céu e terra, pouco poderemos adiantar no conhecimento daquilo a que chamamos morte.
O conhecimento, neste caso, deverá ser mais próximo da gnose e portanto da experiência vivida. Connaitre ou «viver com». Facto que se verifica com todas as ciências iniciáticas. Ocorrência experimental no sentido físico da palavra, experiência subjectiva no sentido psicologístico, dimensão metafísica no sentido filosófico ou momento na eternidade segundo os místicos, artigo de fé segundo as religiões, tudo isso poderá ser uma aproximação ao tema daquilo a que chamam morte.
Mas uma aproximação que, segundo podemos constatar pela bibliografia disponível, mais nos afastou do que aproximou do tema em causa.
Se é certo que não se chega a Deus (e portanto ao conhecimento da morte) pelos livros, também é verdade que alguns (muitos) livros e autores nos podem impedir definitivamente de lá chegar.
A pretexto de nos darem mensagens da «new age», da nova era do Aquário, do Terceiro Milénio e outras antecipações que enchem hoje a mitologia mediática, a verdade é que o mercado das energias está pejado de «atrasos de vida» no sentido literal da palavra: correntes, grupos, gurus, escolas, seitas que, em nome de nos prepararem para a vida eterna, nos estão barrando o caminho para efectivamente lá chegar.
Atrasos de vida, neste aspecto, tínhamos o espiritismo. Hoje, são dezenas os atrasos de vida que nos impedem de conhecer a morte.

EROS E TANATOS

A perplexidade contemporânea poderá estar, em grande parte, nesse desvio de informação que a cultura ocidental tem produzido, com aspectos, por vezes, de perversidade sado-masoquista.
Entre as ciências que têm dedicado bibliografia à morte, lembram-se algumas.
A psicanálise de Freud limitou a morte no gueto da neurose, embora tivesse lançado uma pista que permanece metodològicamente válida, ao distinguir entre o instinto de morte (tanatos) e o instinto de eros.
Só que a dicotomia talvez não esteja correcta e que o oposto do instinto de morte talvez não seja o instinto do prazer.
Eros e tanatos?
Que podemos dizer sobre esta dicotomia?
Há um livro de León Perez, médico psiquiatra e professor de psicologia evolutiva da Universidade del Litoral, na Argentina, que sintetiza a forma como a psicanálise conseguiu «aprisionar» mais esse tema da vida psíquica.

No livro « Muerte Y Neurosis», ele realiza um estudo da atitude face à morte do ponto de vista dinâmico. Analisa, entre outros temas, o contexto cultural da morte, as posições religiosas e filosóficas, a morte como experiência, como fantasia e como ideologia, a evolução da vivência da morte através das idades, a ansiedade tanatofóbica como etiologia da neurose de angústia e a neurose hipocondríaca.
As defesas individuais e colectivas face à morte, tanatofobia e figura parental, castração e tanatofobia e, finalmente, o instinto de morte.
O livro de Leon Pérez serve de pretexto ao estudante de Naturologia para que perceba como a Psicanálise freudiana enclausura a realidade dentro de nomenclaturas rígidas. O que pode ser analisado nos resultados que o livro apresenta de investigações clínicas com pacientes moribundos.

SE A MORTE FOR A VIDA...

Se, como as mais antigas tradições do sagrado preconizam, a morte é a vida e a vida é um interregno rápido no seio da eternidade, o instinto de eros, nesse caso, significará a morte e o tanatos significará o apelo eterno da vida.
A praxis contemporânea, aliás, parece confirmar esta tese: sexo e morte andam mais do que nunca ligados, o instinto do prazer transformou a sociedade de consumo num pântano ou chafurdo hedonista que nunca os filósofos ditos hedonistas poderiam imaginar.
A doença mais falada, ainda que imaginária, pode dar-nos algumas pistas interessantes sobre essa associação contra natura entre eros e tanatos.
Pavlov veio ajudar à festa hedonista/consumista, com a teoria do reflexo condicionado.
A comercialização do sexo é um dos aspectos mais flagrantes de toda essa linha a que a psicanálise tem dado fôlego, o que faz, por sua vez, da psicanálise a corrente psicologística mais popular nas modernas sociedades de consumo.
As correntes da psicologia que melhor se consomem são, evidentemente, aquelas que melhor servem o hedonismo da sociedade de consumo, com toda a mitologia publicitária adjacente.
Uma associação causal tem que ser referida entre consciência da morte, sociedade de consumo e doenças da sociedade de consumo. Comum a todos esses temas a Entropia crescente que domina a sociedade moderna da ciência e da tecnologia.
A Entropia dominante daquilo a que já chamaram «era do virtual» conduz, por exemplo, à imunodeficiência e mesmo à imunodepressão, ou seja, ao esvaziamento ôntico dos indivíduos e da colectividade.
Não é por acaso que nesse esvaziamento, nessa Entropia e nesse virtual tem acção preponderante o orgasmo masculino, alvo de todas as campanhas mediáticas e publicitárias que directa ou indirectamente a ele incitam.
Se virmos os sais minerais que se perdem em cada ejaculação, podemos ficar com uma ideia do que essa campanha consegue fazer para a neurose individual e colectiva da morte.

DA ANTROPOLOGIA À FILOSOFIA

Outra ciência que tem dedicado livros à morte é a antropologia. Investiga-se o comportamento de grupos sociais face à morte como fenómeno exterior de uma subjectividade ou individualidade.
A antropologia trata, portanto, de um certo folclore da morte, como aliás trata de outros assuntos, sem que a palavra folclore seja depreciativa. É próprio da antropologia estudar usos e costumes dos povos...

Poderíamos deter-nos em Platão e no que ele diz sobre a imortalidade da alma, nesse diálogo maravilhoso que é o «Fédon».. É uma leitura extremamente proveitosa, se não nos deixarmos enlear por preconceitos racionalistas e quisermos navegar em águas que Platão não teve dúvidas em desbravar e que terão a ver ainda com os ecos, na altura recentes, que vinham da comunidade essénica, dos hierofantes egípcios (os que mais conhecem da morte) e do misterioso afundamento da Atlântida (ver os diálogos «Timeu» e «Fédon ou sobre A Imortalidade da Alma»).
A sociologia, pela mão do filósofo Edgar Morin, fez uma incursão no tema da morte e não se poderá dizer que «L'Homme et la Mort» (Ed. Seuil, 1970) seja um livro com grande carga informativa, apesar dos muitos autores citados, como aliás é próprio de um sociólogo como Edgar Morin.
Metchnikov, por ele citado, com a sua teoria das fermentações intestinais, interessa particularmente ao estudante de Naturologia.
Correntes profanas como o espiritismo têm, face à morte, uma atitude, no mínimo, pouco ética.
Embora os livros de Allan Kardec (1804-1869) estejam impregnados de moralismo, isso prova apenas que moral e ética não são a mesma coisa, podendo ser mesmo o contrário.
A morte entendida como uma transmigração das almas apanhadas, no meio da viagem, pela armadilha mediúnica, é qualquer coisa de inconcebível numa cultura e num contexto que se fundamentem no potencial sagrado do ser humano. Só concebível, portanto, numa cultura que se profanizou e profanou até aos limites do inverosímil.
Se a vida é uma escravatura obrigatória que pode levar à libertação definitiva, a praxis espírita será a eternização dessa escravatura e dessa servidão transitória. O que deveria fazer pensar muita gente para quem a fala com os mortos é um favor que os vivos lhes fazem.
Félix Bermudes (1874-1959) , que veio da Teosofia mas que também passou pela experiência espírita, tem um livro particularmente interessante para o estudioso da Naturologia, «A Conquista do Eterno», Ed. Civilização Brasileira - Rio, 1974.
Lido com espírito crítico, ajuda a compreender a polémica histórica que opôs a Sociedade Teosófica aos espíritas da época, assinalando uma das rupturas mais significativas da história das ideias e da mística em Portugal.
Vencidos os obstáculos de uma nomenclatura que vem da tradição hinduísta (e que tem dado lugar a muitos equívocos), a Teosofia pode ser uma introdução inteligente e válida ao tema da morte, ainda que karma e reincarnação, por exemplo, tenham causado estragos, por vezes irreversíveis, na inteligibilidade dos grandes mistérios do ser humano.
(Ver, em anexo, sobre o livro de Félix Bermudes um apontamento extraído de um diário pessoal).
A dissidência de Rudolfo Steiner (1861-1925) com a Teosofia, ao criar a Antroposofia, poderá ter sido um caminho que neutralizou muitos dos equívocos terminológicos e concorreu para um estabelecimento mais equilibrado da visão teosófica da morte.
Como se disse, a linguagem, nomenclatura ou terminologia é uma questão fundamental quando se fala daquilo a que chamam morte.

O escritor Albert Camus ( 1913-1960), precocemente falecido num estúpido desastre de automóvel, deixou no seu livro «O Mito de Sísifo» uma espécie de legenda para a Nova Era e o Novo Paradigma: «O suicídio é o único problema filosófico».
O escritor belga Maurice Maeterlinck (1862-1949) afirmara mais ou menos o mesmo: « «Para nós, na nossa vida e no nosso universo, há apenas um acontecimento de monta: é a nossa morte.»
O que faz da morte um tema literalmente eterno. O melhor sinónimo de morte, aliás, é eternidade.
E é a preparação para a eternidade (a que estamos, segundo parece, condenados) que nos poderia levar ao mais importante dos estudos a que um ser humano se deveria dedicar desde a primária: a Noologia/Tanatologia. Disciplina central, em futuro breve, de um curso de Naturologia.
O que a nossa professora de Psicologia parece ter pressentido, ao propor o tema da morte praticamente à entrada do semestre.
Curiosamente, no dia anterior, o nosso professor de História da Saúde, encetava o tema do parto e do nascimento através dos tempos.
Exacto: Nascimento e morte, temas holísticos por excelência, obrigatórios e prioritários num curso de Naturologia.

A VIDA DEPOIS DA MORTE

Tema que se tornou mesmo capa de magazine ilustrado, a vida depois da morte tem dado alguns livros e autores, uns mais deploráveis do que outros.
Recentemente, um escritor português famoso, José Cardoso Pires, deixou o seu testemunho no livro «De Profundis, Valsa Lenta». Mas a literatura já nos tinha deixado um interessante livro do romancista checo Milan Kundera (1929- ) sobre «A Imortalidade», onde analisa alguns autores, como Goethe, que viveram mais obcecados com o tema da morte e da imortalidade.

O teólogo erudito Leonardo Boff escreveu em «Vida para Além da Morte» um precioso livro com abundância de citações bíblicas, nomeadamente do «Velho Testamento». E se há fontes onde a informação fundamental jorra em caudal, é o Velho Testamento.
O obstáculo para aceder a essa informação, aí, é de outra ordem: descodificar os códigos que por motivos de competição religiosa se cristalizaram erroneamente. O Velho Testamento é o texto em que os tradutores/traidores têm actuado com mais ferocidade e pertinácia.
Um dos capítulos admiráveis e de leitura obrigatória dessa obra de Leonardo Boff diz respeito à escatologia e à apocalíptica, temas actualmente marcantes no comércio do oculto e que é preciso desmistificar. Leonardo Boff afirma: «Talvez nunca um tema se tenha prestado tanto à fantasia, às projecções mirabolantes e às manifestações arquetípicas do inconsciente do que esse: como será o fim do mundo? Por isso como em nenhum outro tema, devemos aplicar aqui o processo de desmitização.»
Tempo de falsas profecias, o fim da história, o fim do mundo, o fim da vida podem, mais do que a morte individual, polarizar energias muito mais fortes e agressivas do que o tema da morte individual.
Núcleo temático de extraordinário interesse em naturologia holística, o neo-profetismo e a apocaliptismo reinantes devem merecer, ao estudante, um momento de alguma reflexão crítica. Ele deve principalmente poder distinguir, em matéria de tanta confusão, o trigo do joio.
Leonardo Boff é uma boa ajuda. E a verdadeira significação da palavra Apocalipse também: Revelação.
Quando o teólogo é bom, como Boff, vamos encontrar melhor informação sobre aquilo a que chamam morte, do que nas disciplinas positivas, experimentais e racionalistas das ciências particulares, seja a história (Philipe Ariès), seja a sociologia (Edgar Morin), seja a psicanálise freudiana ( Leon S. Perez).
Mas também a Psicologia não escapou ao fascínio do tema: a vida depois da morte.
E o espiritismo ainda hoje se gaba de ter no seu historial homens que foram cientistas de nomeada, como o físico e químico William Crookes (1832-1919) e o filósofo norte-americano William James (1842-1919), duas interessantes personalidades que a actual psicologia transpessoal tem em muito boa conta.
Apesar de herético e perigoso para o establishment, William James começa a ser de novo aceite pela comunidade dos psicólogos. Entre nós, o Núcleo da Associação de Estudantes criado na Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação, tem ajudado a reabilitar o estudo científico daquilo que a ciência positivista relegou para o caixote do lixo: ou seja, o potencial infinito do ser humano que o cientifismo decapitou quase na totalidade.

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